quarta-feira, 27 de junho de 2018

PEQUENOS ESTUDOS DE FILOSOFIA BRASILEIRA. (Aquiles Côrtes Guimarães)

TEXTO 7  - FARIAS BRITO E AS FILOSOFIAS CONTEMPORÂNEAS DA EXISTÊNCIA.

            
Farias Brito revela-se um precursor das filosofias da existência no pensamento contemporâneo. Infelizmente não teve a oportunidade de dialogar com o movimento fenomenológico – existencial que surgia na Europa e que se afirmou como um dos modos de compreensão da existência humana.
            Este pensador tem a verdade como objeto “pensável” e “desvelável”, à despeito da tradição ocidental. “(...) Sou, contudo, uma consciência (...) é meu dever procurar a verdade”. (Brito, 1966:403).
            A questão da existência humana é marcante na extensa obra deste pensador Cearense. “(...) no esforço pelo estabelecimento de uma filosofia do espírito (...) a “coisa em si” (...) à legítima interpretação do verdadeiro sentido da existência (...)” (Brito, 1966: 404)
            Sua originalidade de pensamento mostra um pensamento semelhante ao que estava sendo formulado na Europa de então. Percebe-se nele o caráter indefinido da meditação filosófica enquanto “revolta” contra o mundo e a existência humana, como possibilidades de conhecer o mundo em sua multiplicidade, além de sua ingênua fenomenalidade.
            A força de seu pensamento mostram perguntas fundamentais, semelhantes às que circulavam na Europa, fruto de suas pesquisas.
            As indagações britianas giram em torno, para além da finalidade do mundo. Sua grande obra tem o título” Finalidade do mundo” mas, não foi lhe dado o crédito na sua momentaneidade. Brito foi esquecido em sua época. Mas tem, como as filosofias contemporâneas da existência, a oportunidade de explicitar este tema.
            O que interessa ao pensador cearense é a justificação do mundo e da existência humana. Diante da situação trágica da vida para ele,” a morte é a única solução verdadeira para o problema da vida”; segundo ele,’ vivemos como se fôssemos imortais” (Brito, 1897:7).
            Em seu ensaio “Em meu esforço pelo conhecimento, nenhum socorro me vem de fora” diz: “(...)  E comecei interrogando e é interrogando que termino. ”, em sua busca da verdade.
            Ele assume esta função do filósofo enquanto sacerdócio que busca a justificação da existência comprometido com o paradigma da subjetividade. Desejava encontrar a evidência da “condição humana”.
            Seus livros são um testemunho da elaboração de uma filosofia do espírito de forma que abarque o problema da consciência na compreensão do mundo. Brito tem nas expressões da vida (a arte, religião, etc), objetos de compreensão de uma filosofia do espírito, cujas ideias poderiam ser antecipadores do movimento fenomenológico europeu.

            O sentimento do mundo, na sua realidade, antecipa grande parte de seu pensamento existencial e encontra o seu significado na ordem da universalidade.


TEXTO 8 - O ESPIRITO DO POSITIVISMO NA CULTURA BRASILEIRA

O “positivismo” , que tem suas raízes em Augusto Comte, na França (1789-1857),foi adotado como pensamento intelectual brasileiro, após a colonização, por não existir um pensamento próprio e ser já de costume copiar o que acontecia no pensamento francês, nosso “eurocentrismo”.
A diversidade racial, descoberta com a colonização, desmistificou os dogmas do catolicismo, colocando em questão a forma romântica de ver o mundo. O positivismo nasce da decadência da influência da igreja na existência humana, trazendo um racionalismo que tinha como objetivo “organizar cientificamente a humanidade”.
O “positivismo” começa a ser adotado no Brasil após a década de 60 do século passado e o ensino militar foi o pioneiro na sua adoção como forma de educação, tendo em vista o pensamento matemático necessário à formação profissional de seus membros.
A medicina, a engenharia e o direito optaram para suprir a falta de um pensamento próprio e ainda está presente em escolas e hospitais brasileiros, mesmo tendo fracassado logo depois no pensamento francês.
Há muitas críticas ao positivismo no Brasil, por refletir a negação da existência de várias raças e, consequentemente, de pensamentos genuínos, que refletissem a real cultura do país, impondo uma certa necessidade de “purificação” cultural.
A cultura brasileira saiu do “positivismo” nas artes, na literatura, nas escolas, para o “positivismo da técnica”, que impediu, cada vez mais, a “subjetividade criadora, inibindo um sentido próprio de mundo.
Enquanto o pensamento brasileiro estiver subordinado às ideias de dominação, fica difícil entender sua real existência. É preciso não permitir que a modernidade lhe tire a capacidade de criar sua própria existência no mundo.
“Mesmo maléfico, o positivismo nos trouxe uma sábia lição: a de que a razão construtora não conseguirá nos conduzir à descoberta do sentido de nossa presença no mundo. É preciso descobrir novos caminhos para a nossa justificação histórica, numa hora de recomeço radical. E a tarefa do recomeço está nas mãos dos filósofos, literatos e artistas. A tecnociência nada tem a nos oferecer senão o seu aparato informativo. Desaguadas as aspirações humanas no universo da máquina, nada mais nos resta além da metafísica e da poesia.”

Assim, entende-se que nem a razão técnica nem o romantismo nos conduzirá a uma perfeita existência, mas é necessário trabalhar a subjetividade para que não seja superada pela realidade que o próprio homem estabeleceu.




TEXTO 9 - A PRÁTICA DA FILOSOFIA NO ESTADO NOVO


O texto traz reflexões sobre a prática da filosofia no Brasil durante o “Estado Novo” e,  a contextualização histórica e política do Brasil e de como o pensamento filosófico se comportou nesse momento. 
Na década de trinta vivíamos sob o impacto da crise dos anos vinte, desencadeada nos Estados Unidos e Europa, cuja configuração era de uma cadeia de substituições de paradigmas na busca de sustentação para um mundo desarticulado pela tragédia da Guerra e no Brasil acontece a Semana de Arte Moderna de 1922 “... o reflexo, no plano das artes, dessa conjuntura conturbada e nebulosa que vivíamos no Brasil, sem uma percepção do quadro de um novo mundo que se esboça, naquele momento, no seio da crise dos paradigmas”.

“ Os novos horizontes da ciência não podem mais ignorar ou colocar em plano secundário os temas da vida, da espontaneidade, da liberdade e do destino, frente a um mundo marcado agora pela instabilidade, pela irreversibilidade e pela indeterminação”

 O Brasil na década de trinta então se caracteriza pela “...tentativa de contextualização de algumas das correntes mais significativas do pensamento contemporâneo europeu e norte-americano, confirmando a tradição mimética secular” na busca de referências para as suas contradições internas. Perdendo assim, principalmente pelas lideranças políticas, os horizontes que poderiam nortear nossa história, quando sob “um olhar ingênuo”,  não deu a importância necessária à gravidade da crise que havia se desencadeado.

 “A era getuliana foi vítima da miopia intelectual, absorvida na domesticidade do poder, em detrimento da possibilidade de ampliar infinitamente os horizontes da nossa própria historicidade, num momento em que o mundo ocidental empregava todos os seus esforços no sentido de re-dimensionar a idéia de futuro, tão cara ao sistema capitalista”.

É dentro desse contexto que o autor traz a questão da “instrumentalização” da filosofia nas grandes polêmicas intelectuais ocorridas das décadas de vinte a cinqüenta, “... fazendo transparecer que a crítica de idéias é apenas o lugar da afirmação de convicções políticas e religiosas, quando não a instância própria de mútuas destruições”.
Destaca aqui Jacksom de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima que, para ele,  exemplificam exaustivamente a atitude dessa instrumentalização argumentando que: “A motivação religiosa que aparece publicamente na ensaística de Jackson e de Alceu encobre um painel de questões políticas, carreadas para o discurso católico”.
A ideia que esses instrumentalizadores passam para a sociedade é a de uma filosofia diluída e adaptada aos interesses esteticistas dos chamados “polígrafos. Essa prática filosófica longe de estar a serviço da explicitação da nossa historicidade, do nosso destinar histórico, se encontrava a serviço do ornamentalismo grupal e individual, como fatores da preponderância do conservacionismo obscurantista, engendrado pelos “coronéis”, cujo ponto de confluência era a figura de Vargas, erigida em mito nacional.
Mas contrário àqueles que “não deixaram em suas obras uma tessitura discursiva capaz de chamar a atenção dos pesquisadores para a possível consistência da argumentação filosófica encontra-se Farias de Brito e sua “notável meditação desinteressada, um autêntico pensador.
Por outro lado, o modo de pensar que maior penetração teria no Estado Novo é o pragmatismo, de origem anglo-americana. Ai tem Anísio Teixeira que tenta implantar o liberalismo modernizador, mas em pleno trabalho de organização da U.D.F é acusado de comunista, encerrando sua breve influência no poder, mas as suas idéias serão projetadas ao longo da ditadura.
Usando o modelo da Escolanovista, o governo acaba por implantar um tipo de pragmatismo anglo americano e positivismo, nas suas manifestações mais decadentes, moldado aos seus interesses de dominação. Se o pragmatismo fornece os indicadores teóricos para a formação do homem numa sociedade democrática e capitalista – principalmente para que esta continue capitalista, o positivismo difuso só poderia contribuir para justificar a ditadura.
Azevedo Amaral, médico naturalista, é o pensador por excelência do Estado Novo,  é erigido à condição de cientista político, com um notável conhecimento da realidade brasileira, colocado a serviço da justificação do golpe de 10 de novembro de 1937. Foi Azevedo Amaral, sem nenhuma dúvida, o mais representativo pensador político do Estado Novo, deixando uma obra respeitável ao dispor de tantos quantos investigam esse trecho da nossa história.
O neopositivismo, inspirado no Círculo de Viena, é recebido no Brasil por um filósofo profissional, Euryalo Cannabrava, e por um jurista itinerante, Pontes de Miranda. Ambos os pensadores faleceram na década de setenta, deixando um extraordinário legado ao pensamento brasileiro.
O neotomismo é representado pelos católicos em geral, em que sobressaem as figuras de Alceu Amoroso Lima, a que já nos referimos, de Leonel Franca, o emérito fundador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e de Gustavo Corção.
A atenção aqui dever ser para a forma de encarar as críticas feitas anteriormente e o importante é que ela seja situada nos seus espaços discursivos, sem nenhuma distorção ideológica.
Os existencialistas e os fenomenologistas exerceram um papel secundário na pratica filosófica do Estado Novo. Suas concepções são distintas de pensar instrumentalizada, já que contituiam o que havia de mais avançado no âmbito do pensamento.
A prática da filosofia no Estado Novo se dá à margem da Universidade.
Para o autor”os estereótipos e preconceitos formam o grande leque da nossa vida intelectual, decorrendo dessa circunstância o caráter ambíguo das nossas práticas filosóficas”.


TEXTO 10 - VERDADE E CONSCIÊNCIA EM ALVARO VIEIRA PINTO

Na sua obra clássica intitulada Consciência e realidade nacional, Vieira Pinto (1960) toma como motivação dominante do pensar o binômio consciência ingênua – consciência crítica. À maneira de Descartes e Husserl, guardadas as devidas proporções e mantendo apenas o sinal de semelhança de atitudes, Vieira Pinto realiza uma minuciosa análise crítica da, por ele denominada, consciência ingênua, chegando até mesmo a requintes de impiedade em relação a certas vigências intelectuais pátrias cujos atores são facilmente identificáveis. Talvez este fato seja explicado pela circunstância de ter Vieira Pinto dedicado as instâncias mais fecundas de sua vida às dissertações acadêmicas em demanda da cátedra universitária.
Neste sentido, diríamos que é impossível apreender em Vieira Pinto uma noção de consciência e de verdade. É difícil perceber o que autoriza Vieira Pinto a dizer que, em última análise, ingressamos num processo histórico de “profunda alteração na consciência”. A ideia de consciência em Vieira Pinto resvala numa espécie de angústia reducionista a caminho do solipsismo inconciliável com o concreto, na medida em que privilegia uma parcela do real como o lugar de uma ruptura radical com a ordem da universalidade.
Consciência ingênua é consciência não aderida. Esta ideia de consciência parece mais uma maneira de fazer proselitismo ideológico – no fundo é exatamente isto que Vieira Pinto propõe ao longo de toda a sua obra, do que mesmo uma perspectiva analítico - compreensiva de um problema filosófico.
No primeiro desses artigos Vieira Pinto fala de uma “intencionalidade da consciência coletiva”, afirmando haveria um sujeito coletivo difuso como categoria própria da estratégia de elaboração da ideologia nacional. A verdade em Vieira Pinto está na meta optata, que é o desenvolvimento nacional. Toda especulação sobre a verdade é mera “divagação cerebrina”, como diria Augusto Comte. Não existe verdade fora do referente nacional.



TEXTO 11 - A IDEIA DE VERDADE NO PENSAMENTO DE MIGUEL REALE

Desde a elaboração da tese de Cátedra subordinada ao título Fundamentos do Direito até as suas últimas obras vindas à luz em tempos recentes, mantém o pensador paulista um modo de pensar caracterizado pelo retorno ao sujeito, sem a perda da concretude nos horizontes da dimensão histórico - axiológica do homem. Entretanto, Miguel Reale se apresenta muito mais como um candidato a instaurador do pensamento jusfilosófico no Brasil do que mesmo como um aspirante à Cátedra universitária, na medida em que se insurge contra a tradição positivista e jusnaturalista reinante e lança as bases fundamentais de um novo modo de conduzir o pensamento na investigação do sentido do Direito e da Filosofia. Esta obra reflete um dos momentos fundamentais da maturação do pensamento realeano, sobretudo ao realçar o tridimensionalismo culturalista do Direito e do Estado e a relevância do pluralismo metodológico no tratamento de questões num universo infenso a qualquer formalismo apriorístico.
Reale aponta que o criticismo ontognoseológico que se pretende instaurar no curso da sua meditação toma como ponto inicial a tarefa de desconstruir a razão kantiana naquilo em que esta se mostrou insuficiente aos propósitos de fundação originária de uma teoria do conhecimento que levasse em conta a totalidade da experiência humana. É fácil perceber que os supostos lineadores do pensamento de Miguel Reale estão habitando os mesmos horizontes, a partir da crítica ao criticismo kantiano.
É o próprio Reale que afirma que na abstração de outros possíveis valores, o criticismo ontognoseológico poderia ser visto, de certa forma, como um desenvolvimento autônomo dado à fenomenologia husserliana, em virtude de não me parecer que a experiência cognoscitiva se verticalize na subjetividade transcendental, tal como ocorre na orientação conclusivamente idealista do autor das Investigações lógicas, por ser só possível como processo ontognoseológico, no qual sujeito e objeto se co - implicam, um supondo o outro e cada um deles irredutível ao outro, ambos tendo plenitude de sentido na unidade dialética em que concretamente se inserem. Aí se encontra o ponto de ruptura entre a fenomenologia e o criticismo ontognoseológico proposto por ele.
Confessando ser a ontognoseologia um desenvolvimento autônomo da fenomenologia, o que de mais adequado se mostra ao seu projeto de pensamento são as noções de consciência intencional e de a priori material, assumidas como condição indispensável ao criticismo ontognoseológico e incorporadas ao universo operatório das suas investigações jusfilosóficas. À Ontologia de Hartmann e à Ética material dos valores de Scheler, acrescentaria-se aqui Experiência e Cultura de Miguel Reale.
Desta forma, pode-se traçar um esboço provisório como introdução à compreensão da ideia de verdade em Miguel Reale que deve ser buscada no conjunto da sua obra e não somente em Verdade e conjetura, onde o pensador brasileiro ensaia explicitar isto que é a verdade, em consonância com todo o seu pensar anterior.


FONTE:

GUIMARÃES,  Aquiles Côrtes - Pequenos Estudos de Filosofia Brasileira. 2ª Edição Revista, Corrigida E Aumentada. Rio de Janeiro: Nau, 1997. Disponível em http://www.ead.ufes.br/pluginfile.php/85514/mod_resource/content/2/leitura20.pdf. Plataforma do Curso de Filosofia- UFES/EAD. Na disciplina de História da Filosofia Brasileira.
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