quinta-feira, 29 de setembro de 2016

TEXTO BÁSICO DE FILOSOFIA - DANILO MARCONDES


1. CONTEXTO HISTÓRICO 
René Descartes nasceu em La Haye, em 31 de março de 1596. Órfão com um ano de idade, de saúde frágil, passou a maior parte de sua infância em sua cidade natal. Com onze anos foi enviado para o colégio jesuíta de La Flèche, de onde saiu em 1615, para conhecer o mundo. Este colégio, na época, era reputado como um dos melhores colégios da França. Contudo, o espírito inquieto do jovem estudante o impulsionou para fora da academia. No seu entender, esta não ensinava propriamente a verdade das coisas, mas se contentava com a repetição dos ensinamentos dos antigos, principalmente de sua recepção no transcurso da Idade Média. É curioso que um dos pensadores que mais marca o pensamento ocidental tenha feito uma carreira à margem da universidade.
Foi com esse tipo de preocupação que o jovem, ao terminar os estudos nessa escola jesuíta, decidiu viajar pelo mundo, com o intuito de explorar outras terras e costumes, fazendo do "mundo" um objeto de leitura, como se fosse um livro, que requereria um novo tipo de análise. O mundo que então se descortinava era ainda um mundo "mágico", imprevisível, cheio de incertezas, capaz de atiçar a imaginação de um jovem pensador.
Para uma melhor compreensão do assunto, devemos retomar brevemente o contexto histórico no qual René Descartes viveu. Esse período, chamado de Idade Moderna (1453-1789), foi caracterizado por dois fatores marcantes: o Absolutismo e o Mercantilismo.
Com o declínio do sistema feudal, marcado pela falta de um líder centralizado (as terras estavam divididas entre os senhores feudais), começam a surgir os Estados Nacionais, em que a figura do rei volta a ter o papel de unificadora do poder. Dessa maneira, os territórios passaram a serem delimitados por fronteiras nacionais, sendo o rei, o único líder dessas terras. Os primeiros Estados Nacionais a serem formados foram Portugal, Espanha, Inglaterra e França. Assim,  os monarcas conquistavam cada vez mais poder, tomando suas decisões de maneira absoluta, não sendo necessário prestar contas para ninguém (é essa a razão pela qual o termo absolutismo é empregado).
A partir da criação dos Estados Nacionais e da ascensão da figura de um rei absolutista, surge o “braço econômico” desse novo sistema: o Mercantilismo, cuja principal característica é o controle do Estado na economia, embasados na teoria de que o país que possuísse maiores reservas de metais (ouro e prata) seria a nação mais poderosa do mundo. Com a ascensão da burguesia e o declínio do sistema de servidão medieval, começam as primeiras formas de se fazer capitalismo, através do fortalecimento das relações comerciais. Dessa maneira, os Estados começam a investir na exploração de novos mercados, com o sonho de conquistar territórios inexplorados e possuírem riquezas nunca antes vistas.
 Esse momento histórico é conhecido como o período das Grandes Navegações, em que países como Portugal e Espanha lançam-se ao mar, em busca de novas terras  e rotas comerciais, a fim de se tornarem grandes potências imperiais.  Apesar de René Descartes ter nascido em 1596, alguns anos depois da criação dos primeiros Estados Nacionais e do desenvolvimento mercantil, o cenário histórico ainda estava carregado por esses dois fatos, caracterizando um período de transição. Dessa maneira, Descartes também dá sua importante contribuição filosófica e científica nesse contexto de intensas mudanças. 

2. IMPORTÂNCIA DE SUA OBRA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Em 1637, publica Discurso do método, obra inaugural da filosofia moderna, escrita em língua vulgar, isto é, o francês. Naquela época, as obras filosóficas eram escritas em latim e estavam voltadas para um público "douto", constituído do círculo exclusivo de iniciados às questões propriamente filosóficas. Descartes tinha, porém, um outro propósito, o de alcançar um amplo público, ou seja, todas as pessoas dotadas de "bom senso" ou "razão", de tal maneira que os assuntos humanos em geral estivessem ao alcance de cada um. Na verdade, antes de Kant, ele propugnava por um uso público da razão.
E esse uso público da razão não admitia discriminações ou limitações de gênero. As mulheres, até então, não eram consideradas seres racionais no sentido completo do termo. Elas não eram interlocutoras do ponto de vista filosófico, da razão. Descartes tinha entre suas interlocutoras preferidas a princesa Elisabeth, da Alemanha, com a qual teve uma profícua correspondência filosófica. Ele a considerava um ser particularmente bem dotado racionalmente, superior a seus companheiros doutos, imersos que estavam, no seu entender, em preconceitos. Uma pessoa sem preconceitos era ideal para um pensador que começava filosoficamente com um "discurso do método". O novo discurso vem acompanhado da afirmação da igualdade de gênero entre os sexos.
E como se tratava de um "discurso do método", a sua preocupação central residia no como conhecemos, no como podemos ter acesso a idéias verdadeiras, que fossem imunes ao erro, quando perseguidas segundo um procedimento metódico, sistemático. Ele se voltava contra todo pré-conhecimento, todo pré-conceito, pois a maneira mediante a qual pensamos nos induz freqüentemente ao erro, à falsidade, à mera aceitação do senso comum, daquelas idéias que foram sedimentadas no nosso modo habitual de pensar. Descartes propugnava por um pensamento jovem, aberto à crítica e aos questionamentos, capaz de exercer uma dúvida cética e de resistir à mesma dúvida graças a uma razão aberta ao questionamento de seus próprios princípios. Ele lutava, portanto, por um mundo onde a fé não ordenasse as relações humanas, mas ficasse confinada a um lugar específico, ao do culto de cada um, não invadindo as esferas dos costumes, da política, da filosofia e da ciência em geral. Moderno, ele defendia a idéia de que a razão deveria permear todos os domínios da vida humana, numa atividade libertadora, pois voltada contra as mais diversas formas de dogmatismo.

O texto Discurso do Método de Descartes, tem um caráter autobiográfico e demonstra uma inquietação com a formação tradicional que recebera, sugerindo uma revisão na vida e tendo como principal foco o próprio pensamento e o estudo das coisas do mundo. Concluiu que tudo que havia estudado até então não se apresentava suficientemente seguro para saber das coisas da vida e que suas dúvidas haviam, então, se multiplicado. Quanto mais estudava, mas via-se um ignorante. Para ele a experiência devia ser validada sempre através de uma reflexão sobre a validade do que revela.

3. LEITURA COMENTADA

3.1 A FORMAÇÃO DO FILOSOFO

Sobre a Filosofia demonstrava admiração pelos filósofos, dotados de um rigoroso saber, embora não a considerasse como um caminho seguro porque  com tudo o que havia sido pesquisado, continuava gerando questões tendo em vista que produziam diferentes pensamentos sobre as mesmas coisas.
As demais ciências, por trazerem alguns princípios da Filosofia, também não lhe pareciam sólidas e, mesmo com toda a significância para a época, não o atraia. Não queria para si as mesmas bases científicas que apenas lhe parecessem consolidadas.
Por não estar convencido do caminho que percorreu até então na busca do conhecimento verdadeiro, decidiu abandonar o estudo das letras, o  qual haviam lhe apresentado como o caminho a ser percorrido, e buscar em si próprio, no mundo, nas experiências de outras pessoas e em suas próprias reflexões a forma de chegar à verdade.
Foi buscar sozinho, em outra cidade, desprovido das paixões  e dos desejos, seu método para evolução científica. Acreditava que afastando-se do senso comum poderia ter maior segurança, devido a um método que poderia adotar as respostas conseguidas como verdadeiras.
Descartes  dizia que todo homem é dotado de razão ou bom senso na justa medida e de forma igualitária, mas a racionalidade não era suficiente para levar no sentido do conhecimento verdadeiro, por cada um empregá-la de forma diferente, considerando coisas diferentes.
Assim, criou suas regras que de forma simples, ao serem aplicadas na sequência, ofereciam segurança nos resultados alcançados.

3.2  AS  REGRAS DO MÉTODO

Descartes, cria suas próprias regras investigativas e segue-as sem fugir do que estabelecesse, seguindo a sequência definida, por achar que ofereciam menos chance de dúvida comparando com outras formas anteriormente utilizadas.
Primeiro - Regra da Evidência: evitar precipitar-se e acreditar na primeira impressão, mas só adotar como verdadeira quando já não oferecesse qualquer probabilidade de refutação e se apresentasse de forma indubitável.
Segundo – Regra da Análise: fazer análise de forma fragmentada de tal maneira que um a um os objetos analisados produzissem conclusões seguras, sem chance para equívocos;
Terceiro – Regra da Síntese: ordenar o pensamento do mais fácil ao mais complexo, de forma cautelosa, garantindo a sequência adotada, para que não haja interferências indesejadas e podendo reconsiderá-las depois;
Quarto – Regra da Verificação: garantir a totalidade das investigações  para que nada fique omisso, com a segurança de que todos os passos foram seguidos, sem margem a dúvidas.
Embora simples e fáceis, as regras estabelecidas garantiam o pensamento científico sem permitir que ficassem questões mal esclarecidas por mais complexas que se apresentassem.

3.3  A MORAL PROVISÓRIA

No texto, Descartes, traz que as questões morais não podiam ficar em suspenso até que concluísse seu pensamento, cria, então, o que chama de Moral Provisória até que a investigação cheque à verdadeira ciência da moral, baseada na natureza humana. Não se permitia deixar de obedecer aos princípios acumulados pelo fato de os terem colocado em dúvida até que pela investigação chegasse a novos conceitos. Mesmo com os que tinha alguma resistência, não achava que devesse suprimí-los criando um certo hiato entre o que era e o que poderia vir a ser.

“ E Enfim, como não basta, antes de começar a reconstruir a casa onde se mora, fazê-la demolir ou se ocupar a própria pessoa da arquitetura, além de ter cuidadosamente traçado o projeto, mas é preciso também arranjar outra onde comodamente se alojar enquanto durarem os trabalhos, assim eu, para não ficar em absoluto hesitante nas minhas ações enquanto a razão me obrigasse a sê-lo nos meus juízos e para não deixar de viver desde então  do modo mais feliz possível, criei para mim uma moral provisória, consistindo somente de três ou quatro máximas, que gostaria de vos expor” […] pag. 83

Primeiro: obedecer as leis e os costumes do país, assim como a religião na qual havia sido criado, pois era preciso relacionar-se com as pessoas, afastando-se o máximo possível  dos excessos e buscando em primeiro passo considerar as opiniões mais sensatas no meio em que estava inserido, mesmo que sua intenção fosse aperfeiçoá-las depois. Preferia observar os comportamentos das pessoas à sua volta a ouvir os conceitos, pois achava que nem sempre as pessoas divulgavam suas reais ideias ou delas possuíssem consciência.
Segundo: seguir firme as questões mesmo que suas escolhas se apresentassem como as mais duvidosas, desde que a escolha tenha sido por elas. Achava que mesmo com toda dúvida deveria ouvir a razão e escolher um caminho, pois pior que escolher errado seria a ausência de escolha.
Se não fosse possível a opinião verdadeira dever-se-ia seguir a mais provável que sua razão indicasse e ao adotá-la não mais colocá-la em dúvida;
Terceiro: dominar a si mesmo e seus sentimentos, mudando seus pensamentos e convicções, para desejar o que é possível alcançar para não perder-se no que está distante de sua capacidade. Como os filósofos abriam mão de bens e de uma vida confortável para seguir a busca da verdade tendo como único mecanismo o seu pensamento, ela achava que devia sentir-se feliz com o que conseguisse e o que não viesse não deveria ser objeto de lamentações. O equilíbrio seria consequência de não querer além do que fosse possível.
No último conclui que após analisar as várias ocupações das pessoas nenhuma delas lhe atraía a não ser permanecer na busca da verdade utilizando-se da sua razão e do método que havia criado para si.

“ por fim, para conclusão dessa moral, decidi fazer um exame das diversas ocupações que têm os homens nesta vida e tentar escolher a melhor; e sem pretender dizer  nada das ocupações dos outros, pensei que não podia fazer  melhor que continuar naquela mesma em que estava, isto é, empregar toda a minha vida a cultivar a razão e avançar o máximo que pudesse no conhecimento da verdade, seguindo o método que me havia prescrito” […] pag. 85.

O fundamento do método para Descartes é que só se chega à verdade pelo caminho correto e objeto correto, caso contrário haverá conclusões equivocadas. Não basta possuir um espírito bom, mas é necessário aplicá-lo de forma correta.


quinta-feira, 16 de junho de 2016

METAFÍSICA E LÓGICA

Metafísica: o que está além da física, a ciência do suprassensível.
O princípio primeiro da Metafísica aristotélica: “todos os homens, por natureza, desejam conhecer”. Quanto  mais conhecem, mais têm o desejo de conhecer. Em razão desse princípio
desiderativo e sua necessidade de compreender os fenômenos da natureza, que tanto os instigavam, inciaram os estudos filosóficos.
Os primeiros fisiólogos, como: Tales, Anaxímenes, Diógenes, Heráclito e Empédocles buscavam conhecer através de causas materiais como princípios da natureza, o que Arsitóteles criticou por considerar a existência de outras forças motoras, uma causa eficiente para as mudanças.
Aristóteles entendia que havia uma causa além da material por considerar que “a matéria não é sujeito das próprias mudanças” e observou as ideias defendidas por Parmênides e Hesiodo como o desejo e o amor como força motora para transformação do mundo, embora as tenha considerado vagas e obscuras.
Pitágoras e Platão foram, na concepção de Aristóteles, os que mais se aproximaram das causas formais com os princípios das ideias e dos números.
O princípio da não-contradição da metafísica foi o fundamento da lógica aristotélica e pressupõe o uso da linguagem para comunicação humana. É o primeiro princípio da ciência do “ser enquanto ser”.
Para Aristóteles a humanidade se confirma através da linguagem. O homem pra ser humano tem que querer dizer alguma coisa, mas o que é dito tem que ter algum sentido. Dessa forma Aristóteles cria a teoria da significação propondo uma distância entre signo e significado, entre linguagem e pensamento e linguagem e ser; as coisas têm essência e a linguagem tem sentido, sendo assim não são a mesma coisa. Quando queremos demonstrar algo  é preciso que “esse algo” tenha um significado e que faça algum sentido.Esse sentido é determinado pelo predicado da proposição e que esta deve ter sempre um sentido único. 
Fazendo uso da razão o homem elabora seu conhecimento através da linguagem, oportunizando seu interlocutor ao contraditório, ou seja, a refutação. Não é possível dizer a mesma coisa e seu contraditório em um mesmo discurso.
Foi a partir da análise do que os primeiros filósofos trouxeram como respostas para explicar a origem das coisas e da realidade que Aristóteles formula a lógica, como instrumento para um correto pensar, mostrando assim o quanto os filósofos anteriores eram contraditórios em suas conclusões ou conceitos por serem frutos de raciocínios errados; ao mesmo tempo, essa mesma lógica validava seu argumento. Um dos princípios da lógica Aristotélica é o “Princípio da não contradição”, com ele era possível conciliar os pensamentos, as idéias e conclusões  mediando a verdade ou a falsidade de seus argumentos.
O princípio da não contradição diz que “o mesmo atributo não pode, ao mesmo tempo, pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito com relação à mesma coisa.” (apostila metafísica e lógica, p3)e é o primeiro principio da metafísica. Sendo assim, a lei lógica equivale à lei ontológica, já que  o princípio que fundamenta a investigação metafísica é um princípio lógico. De acordo com Aristóteles esse princípio escapa à toda demonstração, sendo assim, a prova desse princípio deve ser buscada por meio da refutação, já que não é possível à sabedoria demonstrar diretamente a verdade e o valor de um princípio primeiro.
A lógica é o modo pelo qual  o filósofo vai tratar das questões universais na visão metafísica.
As demais ciências tratam das questões particulares.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Introdução ao conhecimento da mente humana

Luc de Clapiers, Marquês de Vauvenargues

Aqueles que não podem atinar com as variedades da mente humana supõem nela contrariedades inexplicáveis. Eles se espantam que um homem vivaz não seja perspicaz; que àquele que raciocina com justeza falte juízo em sua conduta; que outro que fala com clareza tenha o espírito falso, etc. O que faz com que tenham tanta dificuldade em harmonizar essas pretensas bizarrices é que eles confundem as qualidades do caráter com as da mente e atribuem ao raciocínio os efeitos que pertencem às paixões. Eles não percebem que uma mente justa, quando comete uma falta, não o faz senão para satisfazer uma paixão, e não por carência de luz; e, quando acontece faltar perspicácia a um homem vivaz, eles não sabem que perspicácia e vivacidade são duas coisas bastante diferentes, embora semelhantes, e que elas podem vir separadas. Eu não pretendo desvendar todas as fontes de nossos erros sobre uma matéria sem limites; quando nós cremos ter a verdade em um lugar, ela nos escapa por mil outros. Mas eu espero que, percorrendo as principais partes da mente, poderei apontar as diferenças essenciais e dissipar um número muito grande dessas contradições imaginárias, que a ignorância admite. O objetivo deste primeiro livro é fazer saber, por definições e reflexões fundadas na experiência, todas essas diferentes qualidades dos homens, que estão compreendidas na denominação “mente”. Aqueles que buscam as causas físicas dessas mesmas qualidades poderiam talvez falar delas com maior segurança, se eu conseguisse nesta obra desenvolver os efeitos cujos princípios eles estudam.


Referencia : blog Bouffon Rouge; tradução Jelcimar Jr. (Texto de Marquês de Vauvenargues)

quarta-feira, 20 de abril de 2016

A VIRTUDE EM ARISTÓTELES

O que é felicidade? Provavelmente, cada pessoa que resolver responder a esta pergunta apresentará uma resposta própria, pois a felicidade, num certo sentido, é algo individual, pessoal e intransferível. Por outro lado, há uma ideia de felicidade que pertence ao senso comum e é compartilhada pela esmagadora maioria das pessoas: felicidade é ter saúde, amor, dinheiro suficiente, etc. Além disso, a ideia de felicidade não é uma coisa recente. Com certeza, ela acompanha o ser humano há muito tempo e faz parte de sua história. Sendo assim, é possível traçar a evolução histórica dessa ideia, se nos debruçarmos sobre a disciplina que sempre se dedicou a investigar nossas ideias, de modo a defini-las e esclarecê-las: a filosofia. Na verdade, a ideia de felicidade tem grande importância para a origem da filosofia. Ela faz parte das primeiras reflexões filosóficas sobre ética, que foram elaboradas na Grécia antiga.

Aristóteles (384-322 a.C) nasceu em Estagira (Macedônia). Seu pai era médico do rei Felipe da Macedônia. É considerado juntamente com Sócrates e Platão um dos mais influentes filósofos gregos do mundo ocidental.  Foi aluno de Platão e educou Alexandre, o Grande. Criou o pensamento lógico e a biologia como ciência.  “Em suas obras sobre a natureza, Aristóteles tentou descobrir uma hierarquia de classes e espécies (…). Ele estava convencido de que a natureza tinha uma finalidade e que cada traço específico de um animal existia para cumprir uma determinada função”. (Strathern, 1997, p.24).  Dessa forma, Aristóteles foi o primeiro filósofo a valorizar a observação e a experiência em seus estudos e por isso pode ser considerado o pai do  método científico. Aos 17 anos foi para Atenas, o maior centro filosófico e artístico de toda antiguidade, matriculou-se na escola de Platão e lá permaneceu por vinte anos, até 347 a.C. Após a morte de seu mestre fundou sua própria escola, o Liceu. Ao contrário da Academia, que valorizava o pensamento teórico, o Liceu privilegiava as ciências naturais. Dirigiu o liceu até 324 a.C. Com a morte de Alexandre surgiram sentimentos xenófobos antimacedônios em Atenas, sentindo-se ameaçado Aristóteles fugiu afirmando não permitir que a cidade cometesse um segundo crime contra a filosofia, assim como cometerá com Sócrates. Apesar de sua escola ter privilegiados as ciências naturais Aristóteles também pensou os problemas políticos e sociais de sua época, assim como se debruçou sobre os problemas éticos e morais.  Em seu livro “Ética e Nicomaco” Aristóteles pensou profundamente sobre a felicidade humana.

       Para Aristóteles a felicidade não está ligada aos prazeres ou as riquezas, mas a atividade prática da razão. Em sua opinião,  a capacidade de pensar é o que há de melhor no ser humano, uma vez que a razão é nosso melhor guia e dirigente natural.   Se o que caracteriza o homem é o pensar, então esta e sua maior virtude e, portanto, reside nela à felicidade humana.  “Aristóteles, fiel aos princípios de sua filosofia especulativa, e após ter feito uma análise e um estudo da psicologia humana, verifica que em todos os seus atos o homem se orienta necessariamente pela idéia de bem e de felicidade e que nenhum dos bens comumente procurados (a honra, a riqueza, o prazer) preenche esse ideal de felicidade. Daí a sua conclusão: primeiro, a felicidade humana deverá consistir numa atividade, pois o ato é superior a potência; segundo, deverá ser uma atividade relacionada com a faculdade humana mais perfeita que é a inteligência (…)”. (Costa,1993, p.67)

        Em seu livro “Ética e Nicômaco”  Aristóteles mostra-nos que os homens se tornam o que são pelo hábito. Os homens se tornam bons engenheiros construindo, e se tornam músicos tocando, da mesma forma um homem torna-se justo praticando atos justos e mal praticando atos maus. Um homem torna-se um bom ou mau músico por tocar bem ou mal. Um escritor torna-se um bom ou mau escritor por escrever bem ou mal. Assim como um mau músico não tem o hábito de tocar, também o mau escritor não tem o hábito de pensar e escrever.   Dessa forma para se tocar música ou escrever bem é necessária a excelência, é necessário o engajamento, é necessário o hábito. A pratica continua de uma atividade ou de um comportamento nos possibilita internalizar aquele hábito. Somente a prática leva a excelência. Esse raciocínio serve para todas as atitudes e atividades humanas. Pelo hábito de sentir receio ou confiança tornamo-nos covardes ou corajosos. O mesmo se aplica aos desejos e a raiva, por se comportarem da mesma forma e do mesmo modo em todas as circunstâncias algumas pessoas tornam-se moderadas e amáveis, outras se tornam concupiscentes ou irascíveis. É por isto que devemos fazer uso da razão em nossas escolhas e atividades. Devemos sempre desenvolver nossas atitudes e atividades de uma maneira racional.
        
       A felicidade para Aristóteles corresponde ao hábito continuado da prática da virtude e da prudência. Por sua própria natureza os homens buscam o bem e a felicidade, mas esta busca só pode ser alcançada pela virtude. A virtude é entendida como Aretê – excelência. É somente através do nosso caráter que atingimos a excelência. A boa conduta, a força do espírito, a força da vontade guiada pela razão nos leva à excelência. Dessa forma, a felicidade está ligada a uma sabedoria prática, a de saber fazer escolhas racionais na vida. É feliz aquele que escolhe o que é mais adequado para si.

        A razão é a faculdade que analisa, pondera, julga, discerne. Ela nos permite  distinguir o que é bom ou mau,  a distinguir os vícios das virtudes. Ela  nos permite fazer escolhas pertinentes para nossa felicidade. Por exemplo, a temeridade é um vício por excesso, a covardia é um vício por falta; o meio termo é a coragem, que é uma virtude. O orgulho é um vício por excesso,  a humildade um vício por falta; o meio termo é a veracidade, que também é uma virtude. A inveja é um vício por excesso, a malevolência é um vício por falta; o meio termo é a justa indignação. Para Aristóteles toda escolha exige uma mediania, um equilíbrio entre o excesso e a falta.  Na vida não podemos ser imprudentes e impulsivos se arriscando em situações perigosas. Por outro lado,  também não podemos ser covardes e ter medo de tudo deixando que o medo nos domine. É necessário o meio termo entre esses dois sentimentos, devemos enfrentar os medos e perigos sabendo agir com bom senso. O mesmo raciocínio serve para alimentação, não podemos comer muito para passar mal do estômago, assim como não podemos evitar comer, pois também vamos adoecer. Devemos comer com moderação. Por esta ótica, também podemos pensar os sentimentos.  Na vida não podemos ser vaidosos preocupando-nos apenas com nossas qualidades, satisfazendo sempre o nosso ego. Por outro lado, também não podemos ser muito modestos,  achando que somos inferiores. É necessário auto-estima, sabendo reconhecer através da razão nossos defeitos e nossas qualidades. Para Aristóteles, portanto,  devemos sempre escolher o meio termo, sendo moderados em tudo que fazemos na vida. Somente assim atingiremos o bem e a felicidade.  

Felicidade e insatisfação | Luis Mauro Sá Martino


Aristóteles - Ética a Nicômaco - Virtude e Justiça


segunda-feira, 11 de abril de 2016

O VOLUNTÁRIO E O INVOLUNTÁRIO, CONDIÇÃO PRÉVIA DA HARMONIZAÇÃO ENTRE A INCLINAÇÃO NATURAL E A RAZÃO PRÁTICA

1. Como nosso desejo se torna um desejo racional?
Primeiro temos que compreender o que Aristóteles quer dizer com desejo racional. Segundo ele: “Esse termo pode ter dois significados; primeiro geral, de apetite, de princípio que impele um ser vivo à ação; segundo mais restrito, de apetite sensível, nesse sentido, segundo Aristóteles o desejo é (o apetite do que é agradável).”
A compreensão que Aristóteles nos remete sobre a racionalização do desejo é a de que o desejo racional é um desejo deliberado (consideração das alternativas possíveis que certa situação oferece à escolha. O objeto de ambas é o mesmo, salvo pelo fato de que o objeto da escolha já está definido pelo processo deliberativo a que a escolha põe termo). Já o desejo em seu estado natural é irracional, sendo a ação deliberativa um meio de racionalizar o desejo.  

Aristóteles nos coloca que o desejo conduzido pela razão de um indivíduo virtuoso é aquele que compreende os meios e os fins de suas ações. O indivíduo não age pela possibilidade de ser punido, mas sim, pela clareza de que seus atos, tendo como justas, suas ações, havendo harmonia entre o meio e o fim.



2. A ação responsável e a responsabilidade indireta do caráter

A fim de compreendermos o processo de formação do ca­ráter é preciso analisar o procedimento que permite ao agente harmonizar os fins postos pelo desejo com a razão.
Aris­tóteles aponta várias vezes que os fins das ações são postos pelo desejo e a razão não parece poder de forma alguma interferir nesse momento, por isso, é preciso a harmonização entre desejo e razão. Pelos desejos o homem não é diretamente responsável. No entanto, se no surgimento do desejo a razão não tem parte, ela interfere na determinação da realização dos desejos.
A razão define o modo pelo qual o desejo será realizado. Isso influencia grandemente no desejo mesmo, visto que se a razão encontra um obstáculo que não pode ser superado ao longo do caminho, o desejo será aban­donado, ou sua realização modificada.
O desejo é influenciado pela natureza do agente e, sobretudo, pelo caráter do mesmo.
 A progressiva racionalização do desejo através da educação pelo hábito e do processo ligado à deliberação, é a forma de Aristóteles pensar a formação do caráter virtuoso no homem.
Julgamos o caráter de um homem por suas escolhas, pelo objeto em função do qual ele age, e não pelo próprio ato. Isso está ligado ao fato de que uma ação poderia ser involuntária, quando praticada por compulsão ou por ignorância, mas ninguém escolhe involuntariamente, aponta Aristóteles no livro II (Ética Eudemia).
Embora surpreendente essa declaração parece entrar em conflito com a tese de que só deliberamos sobre os meios, ao passo que os fins das ações são postos pelo desejo. Pode se afirmar que os fins se dão a mim com base em minha educação e em função de minha natureza prática, porém, as duas dependem dos atos que pratico.
Ao determinar diretamente minhas ações, eu determino também indiretamente minhas disposições, as quais determinam minha natureza prática. É a natureza prática que condiciona o surgimento dos desejos no agente. Logo, indiretamente, o homem se torna responsável da natureza de seus desejos, de seu caráter e de suas ações e realizações. 
Pela idéia de Aristóteles, mesmo que o indivíduo não tenha plena e diretamente responsabilidade sobre os fins de suas ações, pois os fins são postos pelas emoções, é suficiente que o agente delibere sobre os meios que con­duzem ao cumprimento do fim, para que ele se torne inteiramente responsável de suas ações.
A responsabilidade, entretanto, parece limitada porque ele aparentemente não tem domínio sobre seus desejos e o desejo põe diretamente o fim da ação. É relevante o fato que se nossos desejos se dão em função de nosso caráter, a formação do caráter se dá a partir de ações repetidas em certa direção.
O homem é responsável pelos seus atos. Atos que geram em nós determinadas disposições são voluntários, ou seja, o ato tem sua origem no interior do agente e o agente conhece as circunstâncias particulares em que o ato se realiza, e torna mais fortes a responsabilidade moral sobre as ações praticadas.
Há um elemento natural na com­posição do caráter humano e não é possível afirmar que ele dependa totalmente de nós, entretanto, Aristóteles afirma que “nós somos de certo modo responsáveis por nossas disposições de caráter”, em função de que o processo educativo pelo qual se dá a formação do caráter é formado de ações repetidas e por cada uma destas ações o agente é responsável.
Para dizer que nosso caráter também depende de nós, o filósofo aponta que “É no exercício de determinadas atividades que se formam as disposições de caráter.”
Se o agente conduz sua vida de uma maneira descuidada, ele se torna uma pessoa negligente.
A excelência e deficiência moral estão ao nosso alcance do mesmo jeito. Ou seja, somos responsáveis pela boa ação, e o somos pela má ação.
Tornar-se pessoa virtuosa ou vil depende do hábito que torna os indivíduos capazes de realizar de maneira estável e com espontaneidade as ações correspondentes.
Pela repetição de atos numa mesma direção, a disposição fixa o tipo de resposta que o agente dará em circunstâncias semelhantes, pois somos senhores do início de nossos hábitos, e, Aristóteles isso dizendo que “as pessoas injustas ou concupiscentes poderiam de início ter evitado estas formas de deficiência moral e, portanto, são injustas ou concupiscentes volun­tariamente. Agora, porém, que elas são assim, já não lhes é possível deixar de sê-lo.”
A decisão de viver sem descuidar das excelências do caráter e esforçar-se para conduzir boas ações depende do próprio homem.
Portanto, o hábito do caráter é considerado por Aristóteles como a segunda na­tureza do agente, sua natureza prática. E esta natureza prática, oposta da primeira, é parcialmente voluntária.


A TENDÊNCIA NÃO CORRETA AO FIM: O MAL MORAL


 


1. O Analfabetismo Moral

Para Aristóteles toda ação humana tende a um bem. Esse “bem” que define como “felicidade” é a virtude suprema do homem, que necessita possuir algumas características que o levem a alcançá-la plenamente, ou seja, desejar corretamente e agir de acordo com a razão prática, obedecendo as circunstâncias adequadas. A virtude, para Aristóteles está na justa medida, nem excesso, nem falta.
No Livro VII da Ética a Nicômaco, ele trata da fraqueza da vontade que torna o homem um ser malvado, agindo por excessos ou por falta, esquecendo-se da temperança.
Há 5 perfis que caracterizam o homem com um “analfabeto moral”, ou aquele que não alcançou a maturidade ética, são eles:
1.1. O Akolastos: visa apenas o prazer, vislumbra apenas o próprio desejo. Não se arrepende e aparenta uma criança indisciplinada que não fora educada com rigor;
1.2. O Malakos: não procura o prazer, mas evita a todo custo a presença da dor. Não resiste às tentações;
1.3. Theriotes: situa-se no limite da humanidade, representa o polo oposto ao divino. Embora tenha a aparência humana, é um monstro;
1.4. O Acrático: no Livro VII, Aristóteles define acrasia como uma fraqueza moral e é dos vícios o que mais lhe interessou.
Essa característica faz com que o homem, mesmo consciente da ação correta, age de forma diferente. Age até contra si mesmo e seus próprios princípios. É arrastado pela paixão, perde a razão, embora acredite que seu propósito seja bom para si.

2. O vicioso satisfeito e em paz consigo mesmo: o Kakos

Para começarmos a entender esse perfil podemos considerar que se trata da pessoa que voluntariamente adquiriu o hábito do vicio, agindo com excesso ou falta a respeito dos prazeres e das paixões.
 A forma como cada individuo realiza suas escolhas em relação aos meios para alcançar um fim é o que vai diferenciar uma ação virtuosa de uma viciosa.
“... a busca e a repulsa na esfera do desejo correspondem à afirmação e à negação na esfera do pensamento; por isto, a excelência moral é uma disposição da alma relacionada com a escolha, e a escolha é o desejo deliberado, segue-se que, para que a escolha seja boa, tanto a razão deve ser verdadeira quanto o desejo deve ser correto. E este deve buscar exatamente o que aquela determina. (ARISTÓTELES, EN VI 2, 1139a30-36).
O kakos apesar de saber deliberar corretamente, pois escolhe de acordo com suas convicções, tem em vista um fim errado. Isso ocorre pela simples razão de que aprendeu errado, ou simplesmente não aprendeu. Houve falha na sua educação e não aprendeu sobre as regras sociais e políticas da cidade em que vive e não sabe, portanto discernir quando certa ação é boa, nem que certa ação é ruim e deve ser evitada, portanto age injustamente com a firme persuasão de que está agindo bem e com isso não sente arrependimento. De acordo com Aristóteles são pessoas incorrigíveis.
“O perverso age em harmonia com si mesmo: há harmonia entre a sua própria razão e seus desejos. Ele deseja o que é absolutamente contrário à razão correta e voluntariamente satisfaz seus desejos, não tendo pesar nenhum. O perverso não sofre de algum conflito interior entre desejos injustos e razão, não tem dúvidas sobre a moralidade das suas ações e, por isso mesmo, há certa semelhança entre o malvado e o virtuoso: os dois agem voluntariamente, com prazer e em harmonia consigo mesmo.”
A conclusão que Aristóteles chega é que apesar do perverso está em paz e harmonia consigo mesmo, ainda assim não encontra a felicidade já que esta possui como parte integrante a virtude. “Se eudaimonia é a realização do homem enquanto homem, e se a felicidade não é um simples estado psicológico de bem estar, mas uma atividade, qualquer atividade que o homem realize é em vista de um fim. Esse fim, não necessariamente deve ser o fim último, isso é, a felicidade mesma, pode ser um fim intermediário em vista de um fim superior. Seja qual for o fim, a atividade que visa a sua realização, visa, em última análise, à realização do homem. Para tanto, porém, não basta desejar, é necessário desejar de forma humana, isto é, moral. O conjunto de fins que orquestra a felicidade deve ser de fins bons, a saber, fins direcionados pela razão prática à efetivação do ser humano enquanto ser racional, social e amante da sophia