TEXTO 7 - FARIAS
BRITO E AS FILOSOFIAS CONTEMPORÂNEAS DA EXISTÊNCIA.
Farias Brito revela-se um precursor das
filosofias da existência no pensamento contemporâneo. Infelizmente não teve a
oportunidade de dialogar com o movimento fenomenológico – existencial que
surgia na Europa e que se afirmou como um dos modos de compreensão da
existência humana.
Este
pensador tem a verdade como objeto “pensável” e “desvelável”, à despeito da
tradição ocidental. “(...)
Sou, contudo, uma consciência (...) é meu dever procurar a verdade”. (Brito,
1966:403).
A
questão da existência humana é marcante na extensa obra deste pensador
Cearense. “(...)
no esforço pelo estabelecimento de uma filosofia do espírito (...) a “coisa em
si” (...) à legítima interpretação do verdadeiro sentido da existência (...)”
(Brito, 1966: 404)
Sua
originalidade de pensamento mostra um pensamento semelhante ao que estava sendo
formulado na Europa de então. Percebe-se nele o caráter indefinido da meditação
filosófica enquanto “revolta” contra o mundo e a existência humana, como
possibilidades de conhecer o mundo em sua multiplicidade, além de sua ingênua
fenomenalidade.
A
força de seu pensamento mostram perguntas fundamentais, semelhantes às que
circulavam na Europa, fruto de suas pesquisas.
As
indagações britianas giram em torno, para além da finalidade do mundo. Sua
grande obra tem o título” Finalidade do mundo” mas, não foi lhe dado o crédito
na sua momentaneidade. Brito foi esquecido em sua época. Mas tem, como as
filosofias contemporâneas da existência, a oportunidade de explicitar este
tema.
O
que interessa ao pensador cearense é a justificação do mundo e da existência
humana. Diante da situação trágica da vida para ele,” a morte é a única solução
verdadeira para o problema da vida”; segundo ele,’ vivemos como se fôssemos
imortais” (Brito, 1897:7).
Em
seu ensaio “Em meu esforço pelo conhecimento, nenhum socorro me vem de fora”
diz: “(...) E comecei interrogando e é interrogando que termino. ”,
em sua busca da verdade.
Ele
assume esta função do filósofo enquanto sacerdócio que busca a justificação da
existência comprometido com o paradigma da subjetividade. Desejava encontrar a
evidência da “condição humana”.
Seus
livros são um testemunho da elaboração de uma filosofia do espírito de forma
que abarque o problema da consciência na compreensão do mundo. Brito tem nas
expressões da vida (a arte, religião, etc), objetos de compreensão de uma
filosofia do espírito, cujas ideias poderiam ser antecipadores do movimento
fenomenológico europeu.
O
sentimento do mundo, na sua realidade, antecipa grande parte de seu pensamento
existencial e encontra o seu significado na ordem da universalidade.
TEXTO 8 - O ESPIRITO DO POSITIVISMO NA CULTURA BRASILEIRA
O
“positivismo” , que tem suas raízes em Augusto Comte, na França (1789-1857),foi
adotado como pensamento intelectual brasileiro, após a colonização, por não
existir um pensamento próprio e ser já de costume copiar o que acontecia no
pensamento francês, nosso “eurocentrismo”.
A
diversidade racial, descoberta com a colonização, desmistificou os dogmas do
catolicismo, colocando em questão a forma romântica de ver o mundo. O
positivismo nasce da decadência da influência da igreja na existência humana,
trazendo um racionalismo que tinha como objetivo “organizar cientificamente a
humanidade”.
O
“positivismo” começa a ser adotado no Brasil após a década de 60 do século
passado e o ensino militar foi o pioneiro na sua adoção como forma de educação,
tendo em vista o pensamento matemático necessário à formação profissional de
seus membros.
A
medicina, a engenharia e o direito optaram para suprir a falta de um pensamento
próprio e ainda está presente em escolas e hospitais brasileiros, mesmo tendo
fracassado logo depois no pensamento francês.
Há
muitas críticas ao positivismo no Brasil, por refletir a negação da existência
de várias raças e, consequentemente, de pensamentos genuínos, que refletissem a
real cultura do país, impondo uma certa necessidade de “purificação” cultural.
A
cultura brasileira saiu do “positivismo” nas artes, na literatura, nas escolas,
para o “positivismo da técnica”, que impediu, cada vez mais, a “subjetividade
criadora, inibindo um sentido próprio de mundo.
Enquanto
o pensamento brasileiro estiver subordinado às ideias de dominação, fica
difícil entender sua real existência. É preciso não permitir que a modernidade
lhe tire a capacidade de criar sua própria existência no mundo.
“Mesmo maléfico,
o positivismo nos trouxe uma sábia lição: a de que a razão construtora não
conseguirá nos conduzir à descoberta do sentido de nossa presença no mundo. É
preciso descobrir novos caminhos para a nossa justificação histórica, numa hora
de recomeço radical. E a tarefa do recomeço está nas mãos dos filósofos,
literatos e artistas. A tecnociência nada tem a nos oferecer senão o seu
aparato informativo. Desaguadas as aspirações humanas no universo da máquina,
nada mais nos resta além da metafísica e da poesia.”
Assim,
entende-se que nem a razão técnica nem o romantismo nos conduzirá a uma
perfeita existência, mas é necessário trabalhar a subjetividade para que não
seja superada pela realidade que o próprio homem estabeleceu.
TEXTO 9 - A PRÁTICA DA FILOSOFIA NO ESTADO NOVO
O texto traz reflexões sobre a prática
da filosofia no Brasil durante o “Estado Novo” e, a contextualização histórica e política do
Brasil e de como o pensamento filosófico se comportou nesse momento.
Na década de trinta vivíamos sob o
impacto da crise dos anos vinte, desencadeada nos Estados Unidos e Europa, cuja
configuração era de uma cadeia de substituições de paradigmas na busca de
sustentação para um mundo desarticulado pela tragédia da Guerra e no Brasil
acontece a Semana de Arte Moderna de 1922 “... o reflexo, no plano das artes,
dessa conjuntura conturbada e nebulosa que vivíamos no Brasil, sem uma
percepção do quadro de um novo mundo que se esboça, naquele momento, no seio da
crise dos paradigmas”.
“ Os novos
horizontes da ciência não podem mais ignorar ou colocar em plano secundário os
temas da vida, da espontaneidade, da liberdade e do destino, frente a um mundo
marcado agora pela
instabilidade, pela irreversibilidade e pela indeterminação”
O
Brasil na década de trinta então se caracteriza pela “...tentativa de
contextualização de algumas das correntes mais significativas do pensamento
contemporâneo europeu e norte-americano, confirmando a tradição mimética
secular” na busca de referências para as suas contradições internas. Perdendo
assim, principalmente pelas lideranças políticas, os horizontes que poderiam
nortear nossa história, quando sob “um olhar ingênuo”, não deu a importância necessária à gravidade
da crise que havia se desencadeado.
“A era getuliana foi vítima da miopia
intelectual, absorvida na domesticidade do poder, em detrimento da
possibilidade de ampliar infinitamente os horizontes da nossa própria
historicidade, num momento em que o mundo ocidental empregava todos os seus
esforços no sentido de re-dimensionar a idéia de futuro, tão cara ao sistema
capitalista”.
É dentro desse contexto que o autor traz
a questão da “instrumentalização” da filosofia nas grandes polêmicas
intelectuais ocorridas das décadas de vinte a cinqüenta, “... fazendo transparecer
que a crítica de idéias é apenas o lugar da afirmação de convicções políticas e
religiosas, quando não a instância própria de mútuas destruições”.
Destaca aqui Jacksom de Figueiredo e
Alceu Amoroso Lima que, para ele,
exemplificam exaustivamente a atitude dessa instrumentalização
argumentando que: “A motivação religiosa que aparece publicamente na ensaística
de Jackson e de Alceu encobre um painel de questões políticas, carreadas para o
discurso católico”.
A ideia que esses instrumentalizadores
passam para a sociedade é a de uma filosofia diluída e adaptada aos interesses
esteticistas dos chamados “polígrafos. Essa prática filosófica longe de estar a
serviço da explicitação da nossa historicidade, do nosso destinar histórico, se
encontrava a serviço do ornamentalismo grupal e individual, como fatores da
preponderância do conservacionismo obscurantista, engendrado pelos “coronéis”,
cujo ponto de confluência era a figura de Vargas, erigida em mito nacional.
Mas contrário àqueles que “não deixaram
em suas obras uma tessitura discursiva capaz de chamar a atenção dos
pesquisadores para a possível consistência da argumentação filosófica
encontra-se Farias de Brito e sua “notável meditação desinteressada, um
autêntico pensador.
Por outro lado, o modo de pensar que
maior penetração teria no Estado Novo é o pragmatismo, de origem
anglo-americana. Ai tem Anísio Teixeira que tenta implantar o liberalismo
modernizador, mas em pleno trabalho de organização da U.D.F é acusado de
comunista, encerrando sua breve influência no poder, mas as suas idéias serão
projetadas ao longo da ditadura.
Usando o modelo da Escolanovista, o
governo acaba por implantar um tipo de pragmatismo anglo americano e
positivismo, nas suas manifestações mais decadentes, moldado aos seus interesses
de dominação. Se o pragmatismo fornece os indicadores teóricos para a formação
do homem numa sociedade democrática e capitalista – principalmente para que
esta continue capitalista, o positivismo difuso só poderia contribuir para
justificar a ditadura.
Azevedo Amaral, médico naturalista, é o
pensador por excelência do Estado Novo,
é erigido à condição de cientista político, com um notável conhecimento
da realidade brasileira, colocado a serviço da justificação do golpe de 10 de
novembro de 1937. Foi Azevedo Amaral, sem nenhuma dúvida, o mais representativo
pensador político do Estado Novo, deixando uma obra respeitável ao dispor de
tantos quantos investigam esse trecho da nossa história.
O neopositivismo, inspirado no Círculo
de Viena, é recebido no Brasil por um filósofo profissional, Euryalo
Cannabrava, e por um jurista itinerante, Pontes de Miranda. Ambos os pensadores
faleceram na década de setenta, deixando um extraordinário legado ao pensamento
brasileiro.
O neotomismo é representado pelos católicos
em geral, em que sobressaem as figuras de Alceu Amoroso Lima, a que já nos
referimos, de Leonel Franca, o emérito fundador da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro e de Gustavo Corção.
A atenção aqui dever ser para a forma de
encarar as críticas feitas anteriormente e o importante é que ela seja situada
nos seus espaços discursivos, sem nenhuma distorção ideológica.
Os existencialistas e os
fenomenologistas exerceram um papel secundário na pratica filosófica do Estado
Novo. Suas concepções são distintas de pensar instrumentalizada, já que
contituiam o que havia de mais avançado no âmbito do pensamento.
A prática da filosofia no Estado Novo se
dá à margem da Universidade.
Para o autor”os estereótipos e
preconceitos formam o grande leque da nossa vida intelectual, decorrendo dessa
circunstância o caráter ambíguo das nossas práticas filosóficas”.
TEXTO 10 - VERDADE
E CONSCIÊNCIA EM ALVARO VIEIRA PINTO
Na sua obra clássica intitulada Consciência e realidade
nacional, Vieira Pinto (1960) toma como motivação dominante do pensar o binômio
consciência ingênua – consciência crítica. À maneira de Descartes e Husserl,
guardadas as devidas proporções e mantendo apenas o sinal de semelhança de
atitudes, Vieira Pinto realiza uma minuciosa análise crítica da, por ele
denominada, consciência ingênua, chegando até mesmo a requintes de impiedade em
relação a certas vigências intelectuais pátrias cujos atores são facilmente
identificáveis. Talvez este fato seja explicado pela circunstância de ter
Vieira Pinto dedicado as instâncias mais fecundas de sua vida às dissertações
acadêmicas em demanda da cátedra universitária.
Neste sentido, diríamos que é impossível apreender em Vieira
Pinto uma noção de consciência e de verdade. É difícil perceber o que autoriza
Vieira Pinto a dizer que, em última análise, ingressamos num processo histórico
de “profunda alteração na consciência”. A ideia de consciência em Vieira Pinto
resvala numa espécie de angústia reducionista a caminho do solipsismo
inconciliável com o concreto, na medida em que privilegia uma parcela do real
como o lugar de uma ruptura radical com a ordem da universalidade.
Consciência ingênua é consciência não aderida. Esta ideia de
consciência parece mais uma maneira de fazer proselitismo ideológico – no fundo
é exatamente isto que Vieira Pinto propõe ao longo de toda a sua obra, do que
mesmo uma perspectiva analítico - compreensiva de um problema filosófico.
No primeiro desses artigos Vieira Pinto fala de uma
“intencionalidade da consciência coletiva”, afirmando haveria um sujeito
coletivo difuso como categoria própria da estratégia de elaboração da ideologia
nacional. A verdade em Vieira Pinto está na meta optata, que é o
desenvolvimento nacional. Toda especulação sobre a verdade é mera “divagação
cerebrina”, como diria Augusto Comte. Não existe verdade fora do referente
nacional.
TEXTO 11 - A IDEIA DE
VERDADE NO PENSAMENTO DE MIGUEL REALE
Desde a elaboração da tese de Cátedra subordinada ao título
Fundamentos do Direito até as suas últimas obras vindas à luz em tempos
recentes, mantém o pensador paulista um modo de pensar caracterizado pelo
retorno ao sujeito, sem a perda da concretude nos horizontes da dimensão
histórico - axiológica do homem. Entretanto, Miguel Reale se apresenta muito
mais como um candidato a instaurador do pensamento jusfilosófico no Brasil do
que mesmo como um aspirante à Cátedra universitária, na medida em que se
insurge contra a tradição positivista e jusnaturalista reinante e lança as
bases fundamentais de um novo modo de conduzir o pensamento na investigação do
sentido do Direito e da Filosofia. Esta obra reflete um dos momentos
fundamentais da maturação do pensamento realeano, sobretudo ao realçar o
tridimensionalismo culturalista do Direito e do Estado e a relevância do
pluralismo metodológico no tratamento de questões num universo infenso a
qualquer formalismo apriorístico.
Reale aponta que o criticismo ontognoseológico que se pretende
instaurar no curso da sua meditação toma como ponto inicial a tarefa de
desconstruir a razão kantiana naquilo em que esta se mostrou insuficiente aos
propósitos de fundação originária de uma teoria do conhecimento que levasse em
conta a totalidade da experiência humana. É fácil perceber que os supostos
lineadores do pensamento de Miguel Reale estão habitando os mesmos horizontes,
a partir da crítica ao criticismo kantiano.
É o próprio Reale que afirma que na abstração de outros
possíveis valores, o criticismo ontognoseológico poderia ser visto, de certa
forma, como um desenvolvimento autônomo dado à fenomenologia husserliana, em
virtude de não me parecer que a experiência cognoscitiva se verticalize na
subjetividade transcendental, tal como ocorre na orientação conclusivamente
idealista do autor das Investigações lógicas, por ser só possível como processo
ontognoseológico, no qual sujeito e objeto se co - implicam, um supondo o outro
e cada um deles irredutível ao outro, ambos tendo plenitude de sentido na
unidade dialética em que concretamente se inserem. Aí se encontra o ponto de
ruptura entre a fenomenologia e o criticismo ontognoseológico proposto por ele.
Confessando ser a ontognoseologia um desenvolvimento autônomo
da fenomenologia, o que de mais adequado se mostra ao seu projeto de pensamento
são as noções de consciência intencional e de a priori material, assumidas como
condição indispensável ao criticismo ontognoseológico e incorporadas ao
universo operatório das suas investigações jusfilosóficas. À Ontologia de
Hartmann e à Ética material dos valores de Scheler, acrescentaria-se aqui
Experiência e Cultura de Miguel Reale.
Desta forma, pode-se traçar um esboço provisório como
introdução à compreensão da ideia de verdade em Miguel Reale que deve ser
buscada no conjunto da sua obra e não somente em Verdade e conjetura, onde o
pensador brasileiro ensaia explicitar isto que é a verdade, em consonância com
todo o seu pensar anterior.
FONTE:
GUIMARÃES, Aquiles Côrtes - Pequenos Estudos de Filosofia
Brasileira. 2ª Edição Revista, Corrigida E Aumentada. Rio de Janeiro: Nau, 1997.
Disponível em http://www.ead.ufes.br/pluginfile.php/85514/mod_resource/content/2/leitura20.pdf.
Plataforma do Curso de Filosofia- UFES/EAD. Na disciplina de História da
Filosofia Brasileira.
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