quarta-feira, 27 de junho de 2018

PEQUENOS ESTUDOS DE FILOSOFIA BRASILEIRA. (Aquiles Côrtes Guimarães)

TEXTO 7  - FARIAS BRITO E AS FILOSOFIAS CONTEMPORÂNEAS DA EXISTÊNCIA.

            
Farias Brito revela-se um precursor das filosofias da existência no pensamento contemporâneo. Infelizmente não teve a oportunidade de dialogar com o movimento fenomenológico – existencial que surgia na Europa e que se afirmou como um dos modos de compreensão da existência humana.
            Este pensador tem a verdade como objeto “pensável” e “desvelável”, à despeito da tradição ocidental. “(...) Sou, contudo, uma consciência (...) é meu dever procurar a verdade”. (Brito, 1966:403).
            A questão da existência humana é marcante na extensa obra deste pensador Cearense. “(...) no esforço pelo estabelecimento de uma filosofia do espírito (...) a “coisa em si” (...) à legítima interpretação do verdadeiro sentido da existência (...)” (Brito, 1966: 404)
            Sua originalidade de pensamento mostra um pensamento semelhante ao que estava sendo formulado na Europa de então. Percebe-se nele o caráter indefinido da meditação filosófica enquanto “revolta” contra o mundo e a existência humana, como possibilidades de conhecer o mundo em sua multiplicidade, além de sua ingênua fenomenalidade.
            A força de seu pensamento mostram perguntas fundamentais, semelhantes às que circulavam na Europa, fruto de suas pesquisas.
            As indagações britianas giram em torno, para além da finalidade do mundo. Sua grande obra tem o título” Finalidade do mundo” mas, não foi lhe dado o crédito na sua momentaneidade. Brito foi esquecido em sua época. Mas tem, como as filosofias contemporâneas da existência, a oportunidade de explicitar este tema.
            O que interessa ao pensador cearense é a justificação do mundo e da existência humana. Diante da situação trágica da vida para ele,” a morte é a única solução verdadeira para o problema da vida”; segundo ele,’ vivemos como se fôssemos imortais” (Brito, 1897:7).
            Em seu ensaio “Em meu esforço pelo conhecimento, nenhum socorro me vem de fora” diz: “(...)  E comecei interrogando e é interrogando que termino. ”, em sua busca da verdade.
            Ele assume esta função do filósofo enquanto sacerdócio que busca a justificação da existência comprometido com o paradigma da subjetividade. Desejava encontrar a evidência da “condição humana”.
            Seus livros são um testemunho da elaboração de uma filosofia do espírito de forma que abarque o problema da consciência na compreensão do mundo. Brito tem nas expressões da vida (a arte, religião, etc), objetos de compreensão de uma filosofia do espírito, cujas ideias poderiam ser antecipadores do movimento fenomenológico europeu.

            O sentimento do mundo, na sua realidade, antecipa grande parte de seu pensamento existencial e encontra o seu significado na ordem da universalidade.


TEXTO 8 - O ESPIRITO DO POSITIVISMO NA CULTURA BRASILEIRA

O “positivismo” , que tem suas raízes em Augusto Comte, na França (1789-1857),foi adotado como pensamento intelectual brasileiro, após a colonização, por não existir um pensamento próprio e ser já de costume copiar o que acontecia no pensamento francês, nosso “eurocentrismo”.
A diversidade racial, descoberta com a colonização, desmistificou os dogmas do catolicismo, colocando em questão a forma romântica de ver o mundo. O positivismo nasce da decadência da influência da igreja na existência humana, trazendo um racionalismo que tinha como objetivo “organizar cientificamente a humanidade”.
O “positivismo” começa a ser adotado no Brasil após a década de 60 do século passado e o ensino militar foi o pioneiro na sua adoção como forma de educação, tendo em vista o pensamento matemático necessário à formação profissional de seus membros.
A medicina, a engenharia e o direito optaram para suprir a falta de um pensamento próprio e ainda está presente em escolas e hospitais brasileiros, mesmo tendo fracassado logo depois no pensamento francês.
Há muitas críticas ao positivismo no Brasil, por refletir a negação da existência de várias raças e, consequentemente, de pensamentos genuínos, que refletissem a real cultura do país, impondo uma certa necessidade de “purificação” cultural.
A cultura brasileira saiu do “positivismo” nas artes, na literatura, nas escolas, para o “positivismo da técnica”, que impediu, cada vez mais, a “subjetividade criadora, inibindo um sentido próprio de mundo.
Enquanto o pensamento brasileiro estiver subordinado às ideias de dominação, fica difícil entender sua real existência. É preciso não permitir que a modernidade lhe tire a capacidade de criar sua própria existência no mundo.
“Mesmo maléfico, o positivismo nos trouxe uma sábia lição: a de que a razão construtora não conseguirá nos conduzir à descoberta do sentido de nossa presença no mundo. É preciso descobrir novos caminhos para a nossa justificação histórica, numa hora de recomeço radical. E a tarefa do recomeço está nas mãos dos filósofos, literatos e artistas. A tecnociência nada tem a nos oferecer senão o seu aparato informativo. Desaguadas as aspirações humanas no universo da máquina, nada mais nos resta além da metafísica e da poesia.”

Assim, entende-se que nem a razão técnica nem o romantismo nos conduzirá a uma perfeita existência, mas é necessário trabalhar a subjetividade para que não seja superada pela realidade que o próprio homem estabeleceu.




TEXTO 9 - A PRÁTICA DA FILOSOFIA NO ESTADO NOVO


O texto traz reflexões sobre a prática da filosofia no Brasil durante o “Estado Novo” e,  a contextualização histórica e política do Brasil e de como o pensamento filosófico se comportou nesse momento. 
Na década de trinta vivíamos sob o impacto da crise dos anos vinte, desencadeada nos Estados Unidos e Europa, cuja configuração era de uma cadeia de substituições de paradigmas na busca de sustentação para um mundo desarticulado pela tragédia da Guerra e no Brasil acontece a Semana de Arte Moderna de 1922 “... o reflexo, no plano das artes, dessa conjuntura conturbada e nebulosa que vivíamos no Brasil, sem uma percepção do quadro de um novo mundo que se esboça, naquele momento, no seio da crise dos paradigmas”.

“ Os novos horizontes da ciência não podem mais ignorar ou colocar em plano secundário os temas da vida, da espontaneidade, da liberdade e do destino, frente a um mundo marcado agora pela instabilidade, pela irreversibilidade e pela indeterminação”

 O Brasil na década de trinta então se caracteriza pela “...tentativa de contextualização de algumas das correntes mais significativas do pensamento contemporâneo europeu e norte-americano, confirmando a tradição mimética secular” na busca de referências para as suas contradições internas. Perdendo assim, principalmente pelas lideranças políticas, os horizontes que poderiam nortear nossa história, quando sob “um olhar ingênuo”,  não deu a importância necessária à gravidade da crise que havia se desencadeado.

 “A era getuliana foi vítima da miopia intelectual, absorvida na domesticidade do poder, em detrimento da possibilidade de ampliar infinitamente os horizontes da nossa própria historicidade, num momento em que o mundo ocidental empregava todos os seus esforços no sentido de re-dimensionar a idéia de futuro, tão cara ao sistema capitalista”.

É dentro desse contexto que o autor traz a questão da “instrumentalização” da filosofia nas grandes polêmicas intelectuais ocorridas das décadas de vinte a cinqüenta, “... fazendo transparecer que a crítica de idéias é apenas o lugar da afirmação de convicções políticas e religiosas, quando não a instância própria de mútuas destruições”.
Destaca aqui Jacksom de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima que, para ele,  exemplificam exaustivamente a atitude dessa instrumentalização argumentando que: “A motivação religiosa que aparece publicamente na ensaística de Jackson e de Alceu encobre um painel de questões políticas, carreadas para o discurso católico”.
A ideia que esses instrumentalizadores passam para a sociedade é a de uma filosofia diluída e adaptada aos interesses esteticistas dos chamados “polígrafos. Essa prática filosófica longe de estar a serviço da explicitação da nossa historicidade, do nosso destinar histórico, se encontrava a serviço do ornamentalismo grupal e individual, como fatores da preponderância do conservacionismo obscurantista, engendrado pelos “coronéis”, cujo ponto de confluência era a figura de Vargas, erigida em mito nacional.
Mas contrário àqueles que “não deixaram em suas obras uma tessitura discursiva capaz de chamar a atenção dos pesquisadores para a possível consistência da argumentação filosófica encontra-se Farias de Brito e sua “notável meditação desinteressada, um autêntico pensador.
Por outro lado, o modo de pensar que maior penetração teria no Estado Novo é o pragmatismo, de origem anglo-americana. Ai tem Anísio Teixeira que tenta implantar o liberalismo modernizador, mas em pleno trabalho de organização da U.D.F é acusado de comunista, encerrando sua breve influência no poder, mas as suas idéias serão projetadas ao longo da ditadura.
Usando o modelo da Escolanovista, o governo acaba por implantar um tipo de pragmatismo anglo americano e positivismo, nas suas manifestações mais decadentes, moldado aos seus interesses de dominação. Se o pragmatismo fornece os indicadores teóricos para a formação do homem numa sociedade democrática e capitalista – principalmente para que esta continue capitalista, o positivismo difuso só poderia contribuir para justificar a ditadura.
Azevedo Amaral, médico naturalista, é o pensador por excelência do Estado Novo,  é erigido à condição de cientista político, com um notável conhecimento da realidade brasileira, colocado a serviço da justificação do golpe de 10 de novembro de 1937. Foi Azevedo Amaral, sem nenhuma dúvida, o mais representativo pensador político do Estado Novo, deixando uma obra respeitável ao dispor de tantos quantos investigam esse trecho da nossa história.
O neopositivismo, inspirado no Círculo de Viena, é recebido no Brasil por um filósofo profissional, Euryalo Cannabrava, e por um jurista itinerante, Pontes de Miranda. Ambos os pensadores faleceram na década de setenta, deixando um extraordinário legado ao pensamento brasileiro.
O neotomismo é representado pelos católicos em geral, em que sobressaem as figuras de Alceu Amoroso Lima, a que já nos referimos, de Leonel Franca, o emérito fundador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e de Gustavo Corção.
A atenção aqui dever ser para a forma de encarar as críticas feitas anteriormente e o importante é que ela seja situada nos seus espaços discursivos, sem nenhuma distorção ideológica.
Os existencialistas e os fenomenologistas exerceram um papel secundário na pratica filosófica do Estado Novo. Suas concepções são distintas de pensar instrumentalizada, já que contituiam o que havia de mais avançado no âmbito do pensamento.
A prática da filosofia no Estado Novo se dá à margem da Universidade.
Para o autor”os estereótipos e preconceitos formam o grande leque da nossa vida intelectual, decorrendo dessa circunstância o caráter ambíguo das nossas práticas filosóficas”.


TEXTO 10 - VERDADE E CONSCIÊNCIA EM ALVARO VIEIRA PINTO

Na sua obra clássica intitulada Consciência e realidade nacional, Vieira Pinto (1960) toma como motivação dominante do pensar o binômio consciência ingênua – consciência crítica. À maneira de Descartes e Husserl, guardadas as devidas proporções e mantendo apenas o sinal de semelhança de atitudes, Vieira Pinto realiza uma minuciosa análise crítica da, por ele denominada, consciência ingênua, chegando até mesmo a requintes de impiedade em relação a certas vigências intelectuais pátrias cujos atores são facilmente identificáveis. Talvez este fato seja explicado pela circunstância de ter Vieira Pinto dedicado as instâncias mais fecundas de sua vida às dissertações acadêmicas em demanda da cátedra universitária.
Neste sentido, diríamos que é impossível apreender em Vieira Pinto uma noção de consciência e de verdade. É difícil perceber o que autoriza Vieira Pinto a dizer que, em última análise, ingressamos num processo histórico de “profunda alteração na consciência”. A ideia de consciência em Vieira Pinto resvala numa espécie de angústia reducionista a caminho do solipsismo inconciliável com o concreto, na medida em que privilegia uma parcela do real como o lugar de uma ruptura radical com a ordem da universalidade.
Consciência ingênua é consciência não aderida. Esta ideia de consciência parece mais uma maneira de fazer proselitismo ideológico – no fundo é exatamente isto que Vieira Pinto propõe ao longo de toda a sua obra, do que mesmo uma perspectiva analítico - compreensiva de um problema filosófico.
No primeiro desses artigos Vieira Pinto fala de uma “intencionalidade da consciência coletiva”, afirmando haveria um sujeito coletivo difuso como categoria própria da estratégia de elaboração da ideologia nacional. A verdade em Vieira Pinto está na meta optata, que é o desenvolvimento nacional. Toda especulação sobre a verdade é mera “divagação cerebrina”, como diria Augusto Comte. Não existe verdade fora do referente nacional.



TEXTO 11 - A IDEIA DE VERDADE NO PENSAMENTO DE MIGUEL REALE

Desde a elaboração da tese de Cátedra subordinada ao título Fundamentos do Direito até as suas últimas obras vindas à luz em tempos recentes, mantém o pensador paulista um modo de pensar caracterizado pelo retorno ao sujeito, sem a perda da concretude nos horizontes da dimensão histórico - axiológica do homem. Entretanto, Miguel Reale se apresenta muito mais como um candidato a instaurador do pensamento jusfilosófico no Brasil do que mesmo como um aspirante à Cátedra universitária, na medida em que se insurge contra a tradição positivista e jusnaturalista reinante e lança as bases fundamentais de um novo modo de conduzir o pensamento na investigação do sentido do Direito e da Filosofia. Esta obra reflete um dos momentos fundamentais da maturação do pensamento realeano, sobretudo ao realçar o tridimensionalismo culturalista do Direito e do Estado e a relevância do pluralismo metodológico no tratamento de questões num universo infenso a qualquer formalismo apriorístico.
Reale aponta que o criticismo ontognoseológico que se pretende instaurar no curso da sua meditação toma como ponto inicial a tarefa de desconstruir a razão kantiana naquilo em que esta se mostrou insuficiente aos propósitos de fundação originária de uma teoria do conhecimento que levasse em conta a totalidade da experiência humana. É fácil perceber que os supostos lineadores do pensamento de Miguel Reale estão habitando os mesmos horizontes, a partir da crítica ao criticismo kantiano.
É o próprio Reale que afirma que na abstração de outros possíveis valores, o criticismo ontognoseológico poderia ser visto, de certa forma, como um desenvolvimento autônomo dado à fenomenologia husserliana, em virtude de não me parecer que a experiência cognoscitiva se verticalize na subjetividade transcendental, tal como ocorre na orientação conclusivamente idealista do autor das Investigações lógicas, por ser só possível como processo ontognoseológico, no qual sujeito e objeto se co - implicam, um supondo o outro e cada um deles irredutível ao outro, ambos tendo plenitude de sentido na unidade dialética em que concretamente se inserem. Aí se encontra o ponto de ruptura entre a fenomenologia e o criticismo ontognoseológico proposto por ele.
Confessando ser a ontognoseologia um desenvolvimento autônomo da fenomenologia, o que de mais adequado se mostra ao seu projeto de pensamento são as noções de consciência intencional e de a priori material, assumidas como condição indispensável ao criticismo ontognoseológico e incorporadas ao universo operatório das suas investigações jusfilosóficas. À Ontologia de Hartmann e à Ética material dos valores de Scheler, acrescentaria-se aqui Experiência e Cultura de Miguel Reale.
Desta forma, pode-se traçar um esboço provisório como introdução à compreensão da ideia de verdade em Miguel Reale que deve ser buscada no conjunto da sua obra e não somente em Verdade e conjetura, onde o pensador brasileiro ensaia explicitar isto que é a verdade, em consonância com todo o seu pensar anterior.


FONTE:

GUIMARÃES,  Aquiles Côrtes - Pequenos Estudos de Filosofia Brasileira. 2ª Edição Revista, Corrigida E Aumentada. Rio de Janeiro: Nau, 1997. Disponível em http://www.ead.ufes.br/pluginfile.php/85514/mod_resource/content/2/leitura20.pdf. Plataforma do Curso de Filosofia- UFES/EAD. Na disciplina de História da Filosofia Brasileira.
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sábado, 7 de outubro de 2017

PODEM AS MÁQUINAS PENSAR?

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Embora haja várias respostas diferentes à possibilidade das máquinas pensarem, dois argumentos já são considerados tradicionais nesse debate: o primeiro, baseado no teste de Turing (Turing Test), afirma que - em certa medida - é possível que máquinas pensem. Oposto ao argumento de Turing se encontra uma tese que foi estabelecida inicialmente pelo filósofo John Searle (1932), conhecida como o “Quarto Chinês” (chinese room) 

 A máquina de Turing e o modelo da mente


Tal questão envolve diversas áreas - como as ciências da computação, a inteligência artificial, a psicologia e as ciências cognitivas - e gira em torno da seguinte pergunta: podem as máquinas pensar?

segunda-feira, 26 de junho de 2017

JUSTIÇA E DIREITO: DERRIDA, KANT


A idéia primeira de compreensão do direito natural se estabelece a partir da opinião de que o direito só é válido no grau em que pode ser proveniente de um pensamento composto por normas e valores inerentemente justos.

Mesmo que geralmente se admita que seja possível existir uma relação necessária entre direito e força, veremos na filosofia jurídica que direito não pode ser fundado na violência (força sem autoridade), pois o poder puro e simples pode gerar obediência, mas é incapaz de gerar dever.

Os textos Kafkanianos aparentam que Kafka conhece por dentro o mundo da justiça que descreve, muito embora pareça não estar dentro dele. Disserta os labirintos desse sistema como se fosse personagens que pouco compreendem seu funcionamento, justamente para aqueles a quem a lei é dirigida este funcionamento não é dado a compreensões.

O poder é exercido em Kafka na tradicional forma de autoridade de pai, que mormente naquela época se utilizam da violência para o exercício da força (O veredicto e carta ao Pai), e numa visão mais típica da modernidade o homem é confrontado com a burocracia impenetrável do aparelho estatal, o guardião que impede a passagem citado no texto Anti a Lei.

Nas narrativas de Kafka os acusados exercem papel especial isso porque é a partir da ação do poder sobre o indivíduo que Kafka constrói suas narrativas. Por sua vez Derrida nos apresenta o estilo desconstrutivista que pode desestabilizar verdades cristalizadas.

O descontrutivismo de Derrida entendido em Levinas como devia ao outro levando a analise da afetividade onde Levinas substitui a lei pela patologia, pode ser tipicamente pensado como um niilismo de Kant. Nesse sentido qualquer discurso que visa sustentar que o direito é essencialmente justo só pode se fundar em um dogmatismo, apelando para compreensões materiais de justiça, normalmente baseadas em escolhas valorativas não fundamentáveis ou apenas retóricas quando apela para um conceito formal de justiça que se estabelece no dar a “cada um” o que é seu naturalizando os valores tradicionais.

Para Kant aproximando-se da ética Socrática segundo a qual a virtude está dentro de cada ser, todo ser é dotado de razão e tem capacidade moral. Nesse passo a Razão e a liberdade se estabelecem como princípios básicos na filosofia Kantiana. Sendo a liberdade parte da natureza humana, isso nos remete a idéia de igualdade que deve se compatibilizar com a concepção de justiça que entende que a liberdade de arbítrio do individuo deve coexistir com a liberdade de arbítrio de todos. O pensamento de que o direito não é a realização da própria justiça possibilita a condução ao niilismo à medida que se justifica a inércia pela possibilidade da justiça baseada num relativismo de um sono dogmático. 


Muito embora a literatura (em verso e prosa) apresente o limite do significado do conceito por meio imagens. Derrida nos apresenta o que não se pode dizer apelando para afetivismo recorrendo a revelação do sentido, de outro giro o conceito Kantiano de justiça espanta a classificação relativista de um empirismo banal.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

TEXTO BÁSICO DE FILOSOFIA - DANILO MARCONDES


1. CONTEXTO HISTÓRICO 
René Descartes nasceu em La Haye, em 31 de março de 1596. Órfão com um ano de idade, de saúde frágil, passou a maior parte de sua infância em sua cidade natal. Com onze anos foi enviado para o colégio jesuíta de La Flèche, de onde saiu em 1615, para conhecer o mundo. Este colégio, na época, era reputado como um dos melhores colégios da França. Contudo, o espírito inquieto do jovem estudante o impulsionou para fora da academia. No seu entender, esta não ensinava propriamente a verdade das coisas, mas se contentava com a repetição dos ensinamentos dos antigos, principalmente de sua recepção no transcurso da Idade Média. É curioso que um dos pensadores que mais marca o pensamento ocidental tenha feito uma carreira à margem da universidade.
Foi com esse tipo de preocupação que o jovem, ao terminar os estudos nessa escola jesuíta, decidiu viajar pelo mundo, com o intuito de explorar outras terras e costumes, fazendo do "mundo" um objeto de leitura, como se fosse um livro, que requereria um novo tipo de análise. O mundo que então se descortinava era ainda um mundo "mágico", imprevisível, cheio de incertezas, capaz de atiçar a imaginação de um jovem pensador.
Para uma melhor compreensão do assunto, devemos retomar brevemente o contexto histórico no qual René Descartes viveu. Esse período, chamado de Idade Moderna (1453-1789), foi caracterizado por dois fatores marcantes: o Absolutismo e o Mercantilismo.
Com o declínio do sistema feudal, marcado pela falta de um líder centralizado (as terras estavam divididas entre os senhores feudais), começam a surgir os Estados Nacionais, em que a figura do rei volta a ter o papel de unificadora do poder. Dessa maneira, os territórios passaram a serem delimitados por fronteiras nacionais, sendo o rei, o único líder dessas terras. Os primeiros Estados Nacionais a serem formados foram Portugal, Espanha, Inglaterra e França. Assim,  os monarcas conquistavam cada vez mais poder, tomando suas decisões de maneira absoluta, não sendo necessário prestar contas para ninguém (é essa a razão pela qual o termo absolutismo é empregado).
A partir da criação dos Estados Nacionais e da ascensão da figura de um rei absolutista, surge o “braço econômico” desse novo sistema: o Mercantilismo, cuja principal característica é o controle do Estado na economia, embasados na teoria de que o país que possuísse maiores reservas de metais (ouro e prata) seria a nação mais poderosa do mundo. Com a ascensão da burguesia e o declínio do sistema de servidão medieval, começam as primeiras formas de se fazer capitalismo, através do fortalecimento das relações comerciais. Dessa maneira, os Estados começam a investir na exploração de novos mercados, com o sonho de conquistar territórios inexplorados e possuírem riquezas nunca antes vistas.
 Esse momento histórico é conhecido como o período das Grandes Navegações, em que países como Portugal e Espanha lançam-se ao mar, em busca de novas terras  e rotas comerciais, a fim de se tornarem grandes potências imperiais.  Apesar de René Descartes ter nascido em 1596, alguns anos depois da criação dos primeiros Estados Nacionais e do desenvolvimento mercantil, o cenário histórico ainda estava carregado por esses dois fatos, caracterizando um período de transição. Dessa maneira, Descartes também dá sua importante contribuição filosófica e científica nesse contexto de intensas mudanças. 

2. IMPORTÂNCIA DE SUA OBRA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Em 1637, publica Discurso do método, obra inaugural da filosofia moderna, escrita em língua vulgar, isto é, o francês. Naquela época, as obras filosóficas eram escritas em latim e estavam voltadas para um público "douto", constituído do círculo exclusivo de iniciados às questões propriamente filosóficas. Descartes tinha, porém, um outro propósito, o de alcançar um amplo público, ou seja, todas as pessoas dotadas de "bom senso" ou "razão", de tal maneira que os assuntos humanos em geral estivessem ao alcance de cada um. Na verdade, antes de Kant, ele propugnava por um uso público da razão.
E esse uso público da razão não admitia discriminações ou limitações de gênero. As mulheres, até então, não eram consideradas seres racionais no sentido completo do termo. Elas não eram interlocutoras do ponto de vista filosófico, da razão. Descartes tinha entre suas interlocutoras preferidas a princesa Elisabeth, da Alemanha, com a qual teve uma profícua correspondência filosófica. Ele a considerava um ser particularmente bem dotado racionalmente, superior a seus companheiros doutos, imersos que estavam, no seu entender, em preconceitos. Uma pessoa sem preconceitos era ideal para um pensador que começava filosoficamente com um "discurso do método". O novo discurso vem acompanhado da afirmação da igualdade de gênero entre os sexos.
E como se tratava de um "discurso do método", a sua preocupação central residia no como conhecemos, no como podemos ter acesso a idéias verdadeiras, que fossem imunes ao erro, quando perseguidas segundo um procedimento metódico, sistemático. Ele se voltava contra todo pré-conhecimento, todo pré-conceito, pois a maneira mediante a qual pensamos nos induz freqüentemente ao erro, à falsidade, à mera aceitação do senso comum, daquelas idéias que foram sedimentadas no nosso modo habitual de pensar. Descartes propugnava por um pensamento jovem, aberto à crítica e aos questionamentos, capaz de exercer uma dúvida cética e de resistir à mesma dúvida graças a uma razão aberta ao questionamento de seus próprios princípios. Ele lutava, portanto, por um mundo onde a fé não ordenasse as relações humanas, mas ficasse confinada a um lugar específico, ao do culto de cada um, não invadindo as esferas dos costumes, da política, da filosofia e da ciência em geral. Moderno, ele defendia a idéia de que a razão deveria permear todos os domínios da vida humana, numa atividade libertadora, pois voltada contra as mais diversas formas de dogmatismo.

O texto Discurso do Método de Descartes, tem um caráter autobiográfico e demonstra uma inquietação com a formação tradicional que recebera, sugerindo uma revisão na vida e tendo como principal foco o próprio pensamento e o estudo das coisas do mundo. Concluiu que tudo que havia estudado até então não se apresentava suficientemente seguro para saber das coisas da vida e que suas dúvidas haviam, então, se multiplicado. Quanto mais estudava, mas via-se um ignorante. Para ele a experiência devia ser validada sempre através de uma reflexão sobre a validade do que revela.

3. LEITURA COMENTADA

3.1 A FORMAÇÃO DO FILOSOFO

Sobre a Filosofia demonstrava admiração pelos filósofos, dotados de um rigoroso saber, embora não a considerasse como um caminho seguro porque  com tudo o que havia sido pesquisado, continuava gerando questões tendo em vista que produziam diferentes pensamentos sobre as mesmas coisas.
As demais ciências, por trazerem alguns princípios da Filosofia, também não lhe pareciam sólidas e, mesmo com toda a significância para a época, não o atraia. Não queria para si as mesmas bases científicas que apenas lhe parecessem consolidadas.
Por não estar convencido do caminho que percorreu até então na busca do conhecimento verdadeiro, decidiu abandonar o estudo das letras, o  qual haviam lhe apresentado como o caminho a ser percorrido, e buscar em si próprio, no mundo, nas experiências de outras pessoas e em suas próprias reflexões a forma de chegar à verdade.
Foi buscar sozinho, em outra cidade, desprovido das paixões  e dos desejos, seu método para evolução científica. Acreditava que afastando-se do senso comum poderia ter maior segurança, devido a um método que poderia adotar as respostas conseguidas como verdadeiras.
Descartes  dizia que todo homem é dotado de razão ou bom senso na justa medida e de forma igualitária, mas a racionalidade não era suficiente para levar no sentido do conhecimento verdadeiro, por cada um empregá-la de forma diferente, considerando coisas diferentes.
Assim, criou suas regras que de forma simples, ao serem aplicadas na sequência, ofereciam segurança nos resultados alcançados.

3.2  AS  REGRAS DO MÉTODO

Descartes, cria suas próprias regras investigativas e segue-as sem fugir do que estabelecesse, seguindo a sequência definida, por achar que ofereciam menos chance de dúvida comparando com outras formas anteriormente utilizadas.
Primeiro - Regra da Evidência: evitar precipitar-se e acreditar na primeira impressão, mas só adotar como verdadeira quando já não oferecesse qualquer probabilidade de refutação e se apresentasse de forma indubitável.
Segundo – Regra da Análise: fazer análise de forma fragmentada de tal maneira que um a um os objetos analisados produzissem conclusões seguras, sem chance para equívocos;
Terceiro – Regra da Síntese: ordenar o pensamento do mais fácil ao mais complexo, de forma cautelosa, garantindo a sequência adotada, para que não haja interferências indesejadas e podendo reconsiderá-las depois;
Quarto – Regra da Verificação: garantir a totalidade das investigações  para que nada fique omisso, com a segurança de que todos os passos foram seguidos, sem margem a dúvidas.
Embora simples e fáceis, as regras estabelecidas garantiam o pensamento científico sem permitir que ficassem questões mal esclarecidas por mais complexas que se apresentassem.

3.3  A MORAL PROVISÓRIA

No texto, Descartes, traz que as questões morais não podiam ficar em suspenso até que concluísse seu pensamento, cria, então, o que chama de Moral Provisória até que a investigação cheque à verdadeira ciência da moral, baseada na natureza humana. Não se permitia deixar de obedecer aos princípios acumulados pelo fato de os terem colocado em dúvida até que pela investigação chegasse a novos conceitos. Mesmo com os que tinha alguma resistência, não achava que devesse suprimí-los criando um certo hiato entre o que era e o que poderia vir a ser.

“ E Enfim, como não basta, antes de começar a reconstruir a casa onde se mora, fazê-la demolir ou se ocupar a própria pessoa da arquitetura, além de ter cuidadosamente traçado o projeto, mas é preciso também arranjar outra onde comodamente se alojar enquanto durarem os trabalhos, assim eu, para não ficar em absoluto hesitante nas minhas ações enquanto a razão me obrigasse a sê-lo nos meus juízos e para não deixar de viver desde então  do modo mais feliz possível, criei para mim uma moral provisória, consistindo somente de três ou quatro máximas, que gostaria de vos expor” […] pag. 83

Primeiro: obedecer as leis e os costumes do país, assim como a religião na qual havia sido criado, pois era preciso relacionar-se com as pessoas, afastando-se o máximo possível  dos excessos e buscando em primeiro passo considerar as opiniões mais sensatas no meio em que estava inserido, mesmo que sua intenção fosse aperfeiçoá-las depois. Preferia observar os comportamentos das pessoas à sua volta a ouvir os conceitos, pois achava que nem sempre as pessoas divulgavam suas reais ideias ou delas possuíssem consciência.
Segundo: seguir firme as questões mesmo que suas escolhas se apresentassem como as mais duvidosas, desde que a escolha tenha sido por elas. Achava que mesmo com toda dúvida deveria ouvir a razão e escolher um caminho, pois pior que escolher errado seria a ausência de escolha.
Se não fosse possível a opinião verdadeira dever-se-ia seguir a mais provável que sua razão indicasse e ao adotá-la não mais colocá-la em dúvida;
Terceiro: dominar a si mesmo e seus sentimentos, mudando seus pensamentos e convicções, para desejar o que é possível alcançar para não perder-se no que está distante de sua capacidade. Como os filósofos abriam mão de bens e de uma vida confortável para seguir a busca da verdade tendo como único mecanismo o seu pensamento, ela achava que devia sentir-se feliz com o que conseguisse e o que não viesse não deveria ser objeto de lamentações. O equilíbrio seria consequência de não querer além do que fosse possível.
No último conclui que após analisar as várias ocupações das pessoas nenhuma delas lhe atraía a não ser permanecer na busca da verdade utilizando-se da sua razão e do método que havia criado para si.

“ por fim, para conclusão dessa moral, decidi fazer um exame das diversas ocupações que têm os homens nesta vida e tentar escolher a melhor; e sem pretender dizer  nada das ocupações dos outros, pensei que não podia fazer  melhor que continuar naquela mesma em que estava, isto é, empregar toda a minha vida a cultivar a razão e avançar o máximo que pudesse no conhecimento da verdade, seguindo o método que me havia prescrito” […] pag. 85.

O fundamento do método para Descartes é que só se chega à verdade pelo caminho correto e objeto correto, caso contrário haverá conclusões equivocadas. Não basta possuir um espírito bom, mas é necessário aplicá-lo de forma correta.


quinta-feira, 16 de junho de 2016

METAFÍSICA E LÓGICA

Metafísica: o que está além da física, a ciência do suprassensível.
O princípio primeiro da Metafísica aristotélica: “todos os homens, por natureza, desejam conhecer”. Quanto  mais conhecem, mais têm o desejo de conhecer. Em razão desse princípio
desiderativo e sua necessidade de compreender os fenômenos da natureza, que tanto os instigavam, inciaram os estudos filosóficos.
Os primeiros fisiólogos, como: Tales, Anaxímenes, Diógenes, Heráclito e Empédocles buscavam conhecer através de causas materiais como princípios da natureza, o que Arsitóteles criticou por considerar a existência de outras forças motoras, uma causa eficiente para as mudanças.
Aristóteles entendia que havia uma causa além da material por considerar que “a matéria não é sujeito das próprias mudanças” e observou as ideias defendidas por Parmênides e Hesiodo como o desejo e o amor como força motora para transformação do mundo, embora as tenha considerado vagas e obscuras.
Pitágoras e Platão foram, na concepção de Aristóteles, os que mais se aproximaram das causas formais com os princípios das ideias e dos números.
O princípio da não-contradição da metafísica foi o fundamento da lógica aristotélica e pressupõe o uso da linguagem para comunicação humana. É o primeiro princípio da ciência do “ser enquanto ser”.
Para Aristóteles a humanidade se confirma através da linguagem. O homem pra ser humano tem que querer dizer alguma coisa, mas o que é dito tem que ter algum sentido. Dessa forma Aristóteles cria a teoria da significação propondo uma distância entre signo e significado, entre linguagem e pensamento e linguagem e ser; as coisas têm essência e a linguagem tem sentido, sendo assim não são a mesma coisa. Quando queremos demonstrar algo  é preciso que “esse algo” tenha um significado e que faça algum sentido.Esse sentido é determinado pelo predicado da proposição e que esta deve ter sempre um sentido único. 
Fazendo uso da razão o homem elabora seu conhecimento através da linguagem, oportunizando seu interlocutor ao contraditório, ou seja, a refutação. Não é possível dizer a mesma coisa e seu contraditório em um mesmo discurso.
Foi a partir da análise do que os primeiros filósofos trouxeram como respostas para explicar a origem das coisas e da realidade que Aristóteles formula a lógica, como instrumento para um correto pensar, mostrando assim o quanto os filósofos anteriores eram contraditórios em suas conclusões ou conceitos por serem frutos de raciocínios errados; ao mesmo tempo, essa mesma lógica validava seu argumento. Um dos princípios da lógica Aristotélica é o “Princípio da não contradição”, com ele era possível conciliar os pensamentos, as idéias e conclusões  mediando a verdade ou a falsidade de seus argumentos.
O princípio da não contradição diz que “o mesmo atributo não pode, ao mesmo tempo, pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito com relação à mesma coisa.” (apostila metafísica e lógica, p3)e é o primeiro principio da metafísica. Sendo assim, a lei lógica equivale à lei ontológica, já que  o princípio que fundamenta a investigação metafísica é um princípio lógico. De acordo com Aristóteles esse princípio escapa à toda demonstração, sendo assim, a prova desse princípio deve ser buscada por meio da refutação, já que não é possível à sabedoria demonstrar diretamente a verdade e o valor de um princípio primeiro.
A lógica é o modo pelo qual  o filósofo vai tratar das questões universais na visão metafísica.
As demais ciências tratam das questões particulares.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Introdução ao conhecimento da mente humana

Luc de Clapiers, Marquês de Vauvenargues

Aqueles que não podem atinar com as variedades da mente humana supõem nela contrariedades inexplicáveis. Eles se espantam que um homem vivaz não seja perspicaz; que àquele que raciocina com justeza falte juízo em sua conduta; que outro que fala com clareza tenha o espírito falso, etc. O que faz com que tenham tanta dificuldade em harmonizar essas pretensas bizarrices é que eles confundem as qualidades do caráter com as da mente e atribuem ao raciocínio os efeitos que pertencem às paixões. Eles não percebem que uma mente justa, quando comete uma falta, não o faz senão para satisfazer uma paixão, e não por carência de luz; e, quando acontece faltar perspicácia a um homem vivaz, eles não sabem que perspicácia e vivacidade são duas coisas bastante diferentes, embora semelhantes, e que elas podem vir separadas. Eu não pretendo desvendar todas as fontes de nossos erros sobre uma matéria sem limites; quando nós cremos ter a verdade em um lugar, ela nos escapa por mil outros. Mas eu espero que, percorrendo as principais partes da mente, poderei apontar as diferenças essenciais e dissipar um número muito grande dessas contradições imaginárias, que a ignorância admite. O objetivo deste primeiro livro é fazer saber, por definições e reflexões fundadas na experiência, todas essas diferentes qualidades dos homens, que estão compreendidas na denominação “mente”. Aqueles que buscam as causas físicas dessas mesmas qualidades poderiam talvez falar delas com maior segurança, se eu conseguisse nesta obra desenvolver os efeitos cujos princípios eles estudam.


Referencia : blog Bouffon Rouge; tradução Jelcimar Jr. (Texto de Marquês de Vauvenargues)

quarta-feira, 20 de abril de 2016

A VIRTUDE EM ARISTÓTELES

O que é felicidade? Provavelmente, cada pessoa que resolver responder a esta pergunta apresentará uma resposta própria, pois a felicidade, num certo sentido, é algo individual, pessoal e intransferível. Por outro lado, há uma ideia de felicidade que pertence ao senso comum e é compartilhada pela esmagadora maioria das pessoas: felicidade é ter saúde, amor, dinheiro suficiente, etc. Além disso, a ideia de felicidade não é uma coisa recente. Com certeza, ela acompanha o ser humano há muito tempo e faz parte de sua história. Sendo assim, é possível traçar a evolução histórica dessa ideia, se nos debruçarmos sobre a disciplina que sempre se dedicou a investigar nossas ideias, de modo a defini-las e esclarecê-las: a filosofia. Na verdade, a ideia de felicidade tem grande importância para a origem da filosofia. Ela faz parte das primeiras reflexões filosóficas sobre ética, que foram elaboradas na Grécia antiga.

Aristóteles (384-322 a.C) nasceu em Estagira (Macedônia). Seu pai era médico do rei Felipe da Macedônia. É considerado juntamente com Sócrates e Platão um dos mais influentes filósofos gregos do mundo ocidental.  Foi aluno de Platão e educou Alexandre, o Grande. Criou o pensamento lógico e a biologia como ciência.  “Em suas obras sobre a natureza, Aristóteles tentou descobrir uma hierarquia de classes e espécies (…). Ele estava convencido de que a natureza tinha uma finalidade e que cada traço específico de um animal existia para cumprir uma determinada função”. (Strathern, 1997, p.24).  Dessa forma, Aristóteles foi o primeiro filósofo a valorizar a observação e a experiência em seus estudos e por isso pode ser considerado o pai do  método científico. Aos 17 anos foi para Atenas, o maior centro filosófico e artístico de toda antiguidade, matriculou-se na escola de Platão e lá permaneceu por vinte anos, até 347 a.C. Após a morte de seu mestre fundou sua própria escola, o Liceu. Ao contrário da Academia, que valorizava o pensamento teórico, o Liceu privilegiava as ciências naturais. Dirigiu o liceu até 324 a.C. Com a morte de Alexandre surgiram sentimentos xenófobos antimacedônios em Atenas, sentindo-se ameaçado Aristóteles fugiu afirmando não permitir que a cidade cometesse um segundo crime contra a filosofia, assim como cometerá com Sócrates. Apesar de sua escola ter privilegiados as ciências naturais Aristóteles também pensou os problemas políticos e sociais de sua época, assim como se debruçou sobre os problemas éticos e morais.  Em seu livro “Ética e Nicomaco” Aristóteles pensou profundamente sobre a felicidade humana.

       Para Aristóteles a felicidade não está ligada aos prazeres ou as riquezas, mas a atividade prática da razão. Em sua opinião,  a capacidade de pensar é o que há de melhor no ser humano, uma vez que a razão é nosso melhor guia e dirigente natural.   Se o que caracteriza o homem é o pensar, então esta e sua maior virtude e, portanto, reside nela à felicidade humana.  “Aristóteles, fiel aos princípios de sua filosofia especulativa, e após ter feito uma análise e um estudo da psicologia humana, verifica que em todos os seus atos o homem se orienta necessariamente pela idéia de bem e de felicidade e que nenhum dos bens comumente procurados (a honra, a riqueza, o prazer) preenche esse ideal de felicidade. Daí a sua conclusão: primeiro, a felicidade humana deverá consistir numa atividade, pois o ato é superior a potência; segundo, deverá ser uma atividade relacionada com a faculdade humana mais perfeita que é a inteligência (…)”. (Costa,1993, p.67)

        Em seu livro “Ética e Nicômaco”  Aristóteles mostra-nos que os homens se tornam o que são pelo hábito. Os homens se tornam bons engenheiros construindo, e se tornam músicos tocando, da mesma forma um homem torna-se justo praticando atos justos e mal praticando atos maus. Um homem torna-se um bom ou mau músico por tocar bem ou mal. Um escritor torna-se um bom ou mau escritor por escrever bem ou mal. Assim como um mau músico não tem o hábito de tocar, também o mau escritor não tem o hábito de pensar e escrever.   Dessa forma para se tocar música ou escrever bem é necessária a excelência, é necessário o engajamento, é necessário o hábito. A pratica continua de uma atividade ou de um comportamento nos possibilita internalizar aquele hábito. Somente a prática leva a excelência. Esse raciocínio serve para todas as atitudes e atividades humanas. Pelo hábito de sentir receio ou confiança tornamo-nos covardes ou corajosos. O mesmo se aplica aos desejos e a raiva, por se comportarem da mesma forma e do mesmo modo em todas as circunstâncias algumas pessoas tornam-se moderadas e amáveis, outras se tornam concupiscentes ou irascíveis. É por isto que devemos fazer uso da razão em nossas escolhas e atividades. Devemos sempre desenvolver nossas atitudes e atividades de uma maneira racional.
        
       A felicidade para Aristóteles corresponde ao hábito continuado da prática da virtude e da prudência. Por sua própria natureza os homens buscam o bem e a felicidade, mas esta busca só pode ser alcançada pela virtude. A virtude é entendida como Aretê – excelência. É somente através do nosso caráter que atingimos a excelência. A boa conduta, a força do espírito, a força da vontade guiada pela razão nos leva à excelência. Dessa forma, a felicidade está ligada a uma sabedoria prática, a de saber fazer escolhas racionais na vida. É feliz aquele que escolhe o que é mais adequado para si.

        A razão é a faculdade que analisa, pondera, julga, discerne. Ela nos permite  distinguir o que é bom ou mau,  a distinguir os vícios das virtudes. Ela  nos permite fazer escolhas pertinentes para nossa felicidade. Por exemplo, a temeridade é um vício por excesso, a covardia é um vício por falta; o meio termo é a coragem, que é uma virtude. O orgulho é um vício por excesso,  a humildade um vício por falta; o meio termo é a veracidade, que também é uma virtude. A inveja é um vício por excesso, a malevolência é um vício por falta; o meio termo é a justa indignação. Para Aristóteles toda escolha exige uma mediania, um equilíbrio entre o excesso e a falta.  Na vida não podemos ser imprudentes e impulsivos se arriscando em situações perigosas. Por outro lado,  também não podemos ser covardes e ter medo de tudo deixando que o medo nos domine. É necessário o meio termo entre esses dois sentimentos, devemos enfrentar os medos e perigos sabendo agir com bom senso. O mesmo raciocínio serve para alimentação, não podemos comer muito para passar mal do estômago, assim como não podemos evitar comer, pois também vamos adoecer. Devemos comer com moderação. Por esta ótica, também podemos pensar os sentimentos.  Na vida não podemos ser vaidosos preocupando-nos apenas com nossas qualidades, satisfazendo sempre o nosso ego. Por outro lado, também não podemos ser muito modestos,  achando que somos inferiores. É necessário auto-estima, sabendo reconhecer através da razão nossos defeitos e nossas qualidades. Para Aristóteles, portanto,  devemos sempre escolher o meio termo, sendo moderados em tudo que fazemos na vida. Somente assim atingiremos o bem e a felicidade.