segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A Filosofia da Democracia de Protágoras

O íntimo do axioma sofístico é observado por meio dos escritos de Platão como um pensamento ligado à democracia e às pessoas de classe média. Protágoras nasceu em Abdera e mudou-se adquirindo diferentes culturas, sua habilidade política facilitou ser conselheiro de Péricles no auge da democracia grega. Mas era assalariado, assim como são os professores atuais, no vídeo aula da semana o Professor Barreira faz uma defesa sobre o tema ao abordar que Protágoras era cidadão de classe média que necessitava manter-se como os professores, mas por ser remunerado não era bem visto pelos filósofos, pois no entendimento deles, os sofistas estariam vendendo seu conhecimento.

Protágoras problematizou que nem só o mais capacitado poderia participar do espaço político. Para ele a política tem que ser vista como um discurso de todos, em que há diferentes pensamentos a serem considerados e todos devem ser ouvidos para uma analise dos pós e contras chegando a uma decisão ponderada que parte do todo e não apenas de uns. 
Protágoras de Abdera: Protágoras Nasceu em Abdera (480-410 a.C.) é considerado o primeiro e um dos mais importantes sofistas. Ensinou por muito tempo em Atenas, sua filosofia dele sofreu críticas em seu tempo.

Para isso, Protágoras tenta provar suas afirmações a Sócrates através de um mito:

"[...] Os deuses haviam terminado a criação das várias criaturas (animais) do mundo. Mas ainda tinham que dar-lhe vida. Para tanto, chamaram dois irmãos – Prometeu e Epimeteu – para realizarem a seguinte tarefa: distribuir os dons para as diversas espécies, de maneira equitativa para que se garantisse que uma espécie não acabasse por destruir a outra. Epimeteu convence o irmão a deixá-lo fazer a distribuição dos dons e depois chamar Prometeu para conferir a obra. Epimeteu fez a partilha, dando a uns a força, e não a velocidade; a outros, a velocidade, mas não a força; deu recursos a alguns, e não a outros, a quem doou outros meios de sobrevivência [...] Estes cuidados visavam evitar a extinção de cada raça.

Quando Prometeu veio examinar a distribuição dos recursos , viu as várias criaturas bem providas de tudo, enquanto o homem encontrava-se nu, descalço, sem proteção ou armas. Sem saber o que fazer, roubou dos deuses o domínio do fogo e das artes e presenteou-os ao homem. Assim, o homem ficou com as técnicas para se conservar vivo, mas sem a arte da política. Por estes favores aos homens, parece que Prometeu foi severamente punido mais tarde. Com o que tinha, o homem articulou a linguagem, construiu casas, inventou a agricultura. Mas, isolados, continuavam frágeis diante dos perigos da natureza. E, quando procuravam reunir-se em segurança, fundando cidades, faziam mal uns aos outros, pois não tinham os saberes da política, e assim, se dispersavam e acabavam por morrer. Então, Zeus, temendo que nossa espécie se extinguisse, encarregou Hermes de levar aos homens os dons do pudor e da justiça como norma para a convivência a ligar os homens pelos laços da civilidade. Depois de estabelecer que o pudor e o senso de justiça fossem repartidos a todos os homens sem exceção, ordena que, em seu nome, todo homem incapaz de pudor e justiça “seja exterminado como se fosse uma peste na sociedade”. E assim, a humanidade sobreviveu e progrediu. " 
Analisando o mito, Protágoras demonstra seu pensamento sobre democracia enfatizando que as ideias gerais devem ser vistas como algo tão ou mais importante que o conhecimento em si, pois o povo ao ser permitido coloca suas opiniões de acordo com suas necessidades. 
Com isso, Protágoras valoriza a experiência em relação ao especialista, note-se que na Grécia antiga os anciãos eram demasiadamente valorizados.
É obvio que alguns setores de um governo dependem de ser analisado por pessoas com conhecimento técnico, o professor Barreira cita com propriedade a construção de um barco, ora quem não sabe construir um barco pouco pode contribuir com seu discurso, entretanto poderá contribuir com seu discurso sobre a necessidade da comunidade, como por exemplo, é o barco o mais importante para a comunidade agora.
Como no caso do Senado Federal que tem uma assessoria legislativa com técnicos de diversas áreas, colaborando na função legislativa, o professor Barreira se coloca com bastante propriedade o fato de que muitas vezes um técnico tem o domínio do assunto, mas não tem a capacidade de convencimento presente na retórica, e nos dias atuais muito utilizadas pelos advogados e políticos.
Podemos relacionar as ideais sofistas com o mundo atual, pois os mesmos dedicam-se a ensinar a retórica que é a eficácia nos discursos, e hoje há os marqueteiros que usam tais estratégias para conquistar os objetivos de convencimento do povo, se comunicando da forma mais persuasiva possível, sendo considerados, então, como os neosofistas que valorizam a técnica e estratégias do discurso, mas não colocando em detrimento a democracia, pois o homem é um ser político, e, sendo assim, é necessário que a sociedade estabeleça regras e limites para que se viva com respeito e dignidade, valorizando, de tal forma, a voz ativa de todos e não apenas de uns.

A formação do governante em Platão


Encontramos no Mito da caverna, o caminho que um governante deve percorrer para representar o estado ideal do pensamento de Platão. É o caminho de ascensão do interior da caverna, onde o mundo é conhecido através dos sentidos, para a abertura, se permitindo adentrar no mundo superior e inteligível, encontrando a Luz do sol que desvenda o conhecimento verdadeiro; o conhecimento do Bem em si, causador do belo e do justo. É esse o caminho que leva  quem recebeu uma natureza filosófica à um governante ético e sábio. Esse caminho deve ser conduzido por um processo pedagógico e político-cultural desde  criança e através de brincadeira com o objetivo alcançar o espiritual sem força, de forma lúdica.
 O processo de formação do filósofo governante começa quando nos jogos proposto para o desenvolvimento físico  o rei-filósofo escolhe os que possuem uma visão de conjunto e assim uma natureza dialética, pois esta pressupõe uma concatenação de saberes para uma única meta: o Bem em si. A partir de então,  estas crianças são introduzidas no ensino da dialética que investiga a essência da realidade em vista da Verdade e do Bem em si; nas disciplinas matemáticas, esta como fator determinante no processo de conversão da alma do governante. A musica, com seu ritmo e harmonia, pressupõe uma matematização do tempo e do espaço. O objetivo maior aqui é o educando conhecer a teoria da harmonia e não necessariamente tocar um instrumento. Esse pensamento se aplica também à geometria, astrologia e a esteriometria. Toda essa abordagem tem como foco político-pedagógico a formação do estadista e tem como paradigma o Bem em si.
“O estadista é necessariamente sábio e virtuoso. A virtude filosófica segue a parte mais divina e superior da alma. A fhronesis, própria à ação política, volta-se para o Bem em si, onde se alicerça o Estado ideal”. Para Platão não merece ser chamado de estadista aquele que governa em prol de interesses próprios.  O verdadeiro estadista (filósofo) é aquele que depois de educado não adquiriu apenas conhecimento, mas chegou além do cognoscível alcançando a essência da realidade: o Bem divino e Este possui portanto a “praticidade de longuíssimo prazo, de duração eterna, como referência maior de justiça para Platão”

A justiça judicial de Aristóteles

Para Aristóteles, a justiça seria a forma perfeita de excelência moral, pois se dirige a uma ação boa para consigo e para com o próximo. Entender a justiça como a excelência moral inteira revela uma distinção entre excelência moral e justiça. A disposição da alma, em específico, é a justiça para com o próximo; quando irrestrita, expressa a excelência moral.
Em sua tese, Aristóteles observa que no plano individual, as virtudes morais equilibram as ações de cada um, conduzindo a um justo meio-termo; assim também, no plano coletivo, atua uma virtude moral que é a Justiça, esta procura sempre o equilíbrio e a equidade na comunidade política, conhecida como “Polis” (cidades).
Do mesmo modo, ela é o ponto de encontro da sua Ética com a sua Política. Nesse baleado os valores morais adquirem da Justiça sua forma plena, ou seja, o seu significado social, tornando-se base da moralidade da vida política.
Assim no tratado, Ética a Nicômaco, ele observa inicialmente a virtude da Justiça, sob um aspecto legal. Desse modo, como virtude moral, ela é o sentimento interior e subjetivo que conduz o individuo a obediência do que a lei prescreve; essa é a sua primeira função. Com essa atitude, o meio-termo, é o que a legislação define entre a ação de fazer e a ação de não fazer.
A Justiça judicial gere as relações sociais entre cidadãos livres e iguais, determinando que o justo meio da ação virtuosa seja o tratamento igual ou, como constatamos o que mais tarde se tornou o principio da isonomia (todos são iguais perante a lei art. 5 CF).
Por outro lado, fica também definido que o oposto à Justiça é a injustiça e ocorre da não observância da lei, e do tratamento desigual entre semelhantes, “o homem justo é aquele que se conforma à lei e respeita a igualdade; injusto é aquele que contraria a lei e a igualdade”.
Analisemos o código de defesa do consumidor onde a relação de consumo demonstra a fragilidade do consumidor e por isso exige a inversão do ônus da prova prevista art. 6º do CDC, em contrariedade ao art. 33 do CPC.
A legislação prescreve todos os atos de bondade e Justiça como regra e, consequentemente todos os atos que vão de encontro a esse preceito, repudiando-os e a esses podem chamar de vícios.

A Justiça Distributiva
A Justiça Distributiva é explicada na Ética a Nicômaco, como aquela que se aplica na repartição das honras e dos bens da comunidade, segundo a noção de que cada um perceba o proveito adequado a seus méritos.
Partindo daí, podemos observar claramente a presença da Justiça distributiva nos dias atuais, como o princípio geral das igualdades das relações jurídicas e da justa repartição de bens. Um exemplo disto é o dispositivo constitucional que versa “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Muito embora nos dias atuais devemos ter como cerne a igualdade sobre o prisma de atender as desigualdades, ou seja, “aos iguais direitos iguais, e aos desiguais o mesmo direito na exata medida em que se desigualam” Rubem Braga.

A Justiça Corretiva
 É prevista na Ética a Nicômaco. Ela resulta em um “principio corretivo” frente às relações privadas, sejam elas voluntárias ou involuntárias, as primeiras, contratuais, e as últimas delituosas. O principio da igualdade é encarado de forma diversa, em proporção matemática, cuidando somente de medir os ganhos e perdas de modo impessoal, as coisas e as ações são levadas em conta pelo seu valor objetivo, e não mais pela qualidade das pessoas. 
Partindo do que diz Aristóteles, a manifestação mais clara dessa forma de Justiça, na atualidade, aparece no Direito Civil, na forma da Responsabilidade Civil e no Direito Contratual, nos dias atuais esta é a justiça civil que é aquela que é aplicada em casos de violação, exigindo uma igualdade proporcional entre o dano e o ressarcimento, entre o delito e a pena, fazendo prevalecer o critério equitativo nas controvérsias que exigem a presença do juiz. Aristóteles salienta que “um homem é injusto quando seu ato viola a proporção da igualdade”.
Por fim, considerando a proporção matemática que norteia a Justiça Corretiva, é irrelevante se uma pessoa boa lesa uma pessoa má, ou vice-versa; elas serão tratadas igualmente. O que é levado em conta é o ganho do infrator e a perda da vítima, procurando um meio termo, entre eles, o que será igual ao justo.

A controvérsia entre sofistas e filósofos


Protágoras e Górgias
Filosofo Sofistas
Os sofistas foram pensadores do período socrático. Eles se opunham a filosofia pré-socrática dizendo que estes ensinavam coisas contraditórias e repletas de erros, e eram inúteis. Portanto não se preocupavam com a finalidade do universo ou com a natureza, e pregavam que tudo deve servir ao homem. O sofista não queria saber o que está certo ou errado, ele apenas falava. Ensinavam a arte da oratória a quem quisesse pagar pelo aprendizado.
Esses “filósofos” estavam sempre preocupados com a retórica e seus argumentos bem construídos, e com a política. Tendo em Górgias e Protágoras seus maiores representantes,este último como o maior ator do cenário sofista, atribui-se a Protágorasa seguinte frase: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”, ou seja, o homem é a medida de sua própria verdade, e ainda; aquele que fala conseguindo convencer, ali estaria a verdade. A Górgias, atribuímos a seguinte frase: “Um bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa”.  Acredito que o sofista não está interessado em mentir, mas o que faziam, segundo seu maior opositor, que foi Sócrates, eram opiniões atraentes para convencer os ouvintes, Platão diz que os sofistas não são filósofos.

O exposto acima é justamente o que leva ao conflito com os filósofos socráticos, os vencedores do debate no final. Sócrates questionava os sofistas sobre a possibilidade de vender algo que não lhes pertencia, não achava honesto da parte deles vender algo que deveria ser oferecido gratuitamente. A antinomia socrática em relação aos sofistas está na reflexão em vez de opinião, está no conhecimento puro a uma argumentação atraente, e por fim a sabedoria que por si só já nos bastaria.

A Filosofia da Grécia Antiga


A FILOSOFIA DA GRÉCIA ANTIGA COMO INSPIRAÇÃO PARA O ATUAL DEBATE SOBRE O ENSINAR A FILOSOFAR

Professor Marcelo M. Barreira / Sead – UFES – Setembro 2015


O módulo 5 encerra o percurso pela Filosofia Política II – EAD e no material disponibilizado (texto e vídeo-aula) o Professor Marcelo traz uma reflexão sobre as Orientações Curriculares para o Ensino Médio elaboradas pelo MEC, através das LDBs. Lembrando que são apenas “orientações” e não leis.

Este módulo trata enfaticamente de como o docente deve  preparar-se para o exercício da docência em Filosofia e para o “ensinar a filosofar”.
Protágoras, por sua técnica do discurso e liderança traz uma perspectiva de que deve-se ter como ponto de partida o ambiente cultural do cidadão em uma vínculação com o cotidiano e protagonismo social, para formação  na busca do  bem comum e da ordem democrática, buscava provocar o debate, a discussão e ouvia as opiniões diversas.
Já Platão era monológico e seguia uma orientação pessoal do ensinar, considerava que o filósofo era  o direcionador das ideias.
Os educadores precisam conhecer os textos clássicos para que sejam utilizados como orientadores para situações pedagógicas desafiantes e para formação do pensamento, sem perder de vista o caráter sócio-cultural dos educandos e de suas vivências da realidade.
A Filosofia não é improviso, nem simples emissão de opinião, mas é preciso construir a sensação de de crescimento, para despertar interesse no desenvolvimento do conhecimento. É preciso que os educandos tenham a certeza  de que estão apreendendo as grandes questões postas, para uma condição de entendimento e de mudança do meio em que vivem.
O ensino da Filosofia desperta duas possibilidades: de rejeição ou de assimilação (até encantamento), mas no ensino médio ainda não se tem a verdadeira dimensão do que possa ser e acaba tornando-se enfadonha. Diferentemente do ensino superior (licenciatura ou bacharelado) que já pressupõe uma escolha direcionada ao “aprender a filosofar”.
A utilização, em grande escala no ensino médio,  de professores improvisados, sem a devida formação na disciplina, dificulta a transmissão da ideia de complexidade da tradição filosófica, tendo em vista que é fundamental que os docentes tenham dialogado com os grandes filósofos, para saber usar seus ensinamentos no despertar do pensamento crítico nos educandos.
Concluindo, deve-se criar uma consciência crítica e debater com os atores envolvidos, na busca de uma efetiva educação racional e cidadã e não apenas técnico-científica.



quarta-feira, 17 de junho de 2015

JOÃO DE SALISBURY

INTRODUÇÃO  AO PENSAMENTO DE JOÃO DE SALISBURY 
João de Salisbury (1115-1180)

João de Salisbury, Filósofo inglês, nasceu em Salisbury entre 1115 e 1120 e morreu em 1180, como bispo de Chartres. Foi educado na França na Universidade de Paris, onde estudou lógica, gramática e teologia e onde teve contato também com as maiores personalidades do seu tempo, entre outros, Pedro Abelardo, Guilherme de Conques e Bernardo de Claraval.
Tendo como pano de fundo o chamado Renascimento de Sec XII, cujo lema era “aprender com o passado e com a sapiência de seus mestres e a eles acrescer algo”, sua principal obra é Polycraticus – De nugiscurialium et vestigiisphilo Sophorum (“Policrático, das bagatelas dos curiais da corte e dos vestígios dos filósofos”), escrita em 1159, a obra é composta de 8 livros e especialistas são unânimes em afirmar que ela inaugurou o gênero filosofia política na idade média e é também considerada o primeiro tratado de Filosofia Política escrito no ocidente.
Essa obra considerada um espelho de príncipes medieval precoce, se vale do conceito de Res Publica baseado em Cícero, para defender uma sociedade unida por um acordo de respeito às leis e aos direitos. Salisbury foi o primeiro medieval a considerar a imagem do rei intelectual, e lançou a discussão filosófica sobre o tiranicídio.
Traz também como inovação na metáfora do corpo, o príncipe ocupando o lugar da cabeça.
Outra obra de destaque é o Metalogicon (A Metalógica) aqui Salisbury defende o estudo da Lógica, da Gramática e da Retórica, e uma sólida formação nas Artes Liberais para que os estudantes conseguissem realmente tornarem-se sábios. Mas é no prólogo do Polycraticus  que se encontra “o maior louvor às escrituras, à gramática e a leitura”nas palavras do  Prof. Ricardo Costa.




PENSAMENTO DA FILOSOFIA POLITICA

1. ELEMENTOS BÁSICOS DE SUA FILOSOFIA POLITICA


Considerando que João de Salisburyescreveu o Polycraticus em um contexto de centralização do poder das monarquias da Cristandade Ocidental, é compreensível que as relações entre Estado e Igreja ocupem lugar de destaque dentro de sua filosofia política. É buscando resolver as querelas entre o reino e o sacerdócio, Salisbury desenvolve os elementos básicos de sua filosofia:
1.       A metáfora do corpo, que entende a sociedade como um organismo vivo; recurso já utilizado por outros escritores cristãos, desde Agostinho. A grande novidade do pensamento salsburianoé que, pela primeira vez, a cabeça desta sociedade é ocupada pelo príncipe, pelo monarca; e não pela Igreja, o que alguns estudiosos modernos consideram como o princípio de uma teoria do poder laico. O filósofo nos mostra, porém, queo sacerdócio é a alma deste corpo, é o que lhe confere vida e sentido, pois “nada um corpo faz a despeito de sua alma e tudo que faz, o faz por ela.” (MIATELLO,2010,p.166).
É interessante notar a importância dada por Salisburyà base da sociedade: os pés, os trabalhadores, em sua época, na maioria camponeses.De acordo com o pensamento filosófico cristão,

Os agricultores se parecem aos pés, pois também se encontram continuamente no solo. Para eles é especialmente necessária a atenção da cabeça, já que tropeçam em muitas dificuldades enquanto pisam a terra com o trabalho de seu corpo, e merecem ser protegidos com tanta ou mais justa proteção para se manterem de pé, sustentarem e moverem todo o corpo (1984, apud COSTA, 2102).

2.    Equidade e Lei Universal: o príncipe representa a cabeça, o membro superior do corpo, por ser representante legítimo do poder de Deus na Terra e, portanto, deve agir conforme seus ensinamentos, que lhe são repassados pela Igreja. O principal destes ensinamentos refere-se à equidade e ao senso de Justiça: defender uma sociedade unida por um acordo comum em respeito a lei e aos direitos; sem, todavia, sobrepor-se a estes. A lei de Deus para o mundo é a equidade e a ela todos devem submeter-se. Conforme colocado pelo professor Ricardo Costa, na apostila da disciplina, “para a proteção dos súditos, Salisbury afirma que é melhor que a Igreja exerça uma jurisdição moral sobre todos os reis e reinos da Terra.” (p.53).

3.    A construção da imagem do monarca ideal: em seu espelho de príncipes, Salisbury defende a imagem do rei intelectual, pois segundo ele, somente através da educação e da filosofia, o monarca saberá respeitar o direito, escapando às armadilhas da sociedade da corte e dos aduladores; e não render-se ao orgulho e à soberba, capazes de subverter os fundamentos éticos e religiosos do reino, o que transformaria o rei bondoso em sua antítese, o tirano.




2. A TRADIÇÃO CLÁSSICA NO POLYCRATICUS

João de Salisbury nasceu por volta de 1115 e veio a falecer em 1180 na cidade de Chartres na França. “Foi um homem das letras, um escritor elegante, um observador cético, um moralista e um narrador agudo. Percebeu que em seu tempo uma boa educação permitia fazer carreira e criticou os mestres que programavam seu ensino com vistas à ascensão social. Propôs um sistema ideal de ensino. Baseou-se no sistema das sete artes, mas o complementou com o estudo de outras matérias. Seu pensamento era mais afim a Platão que a Aristóteles. Não obstante, lhe devemos a introdução dos Analíticos Segundos e os Tópicos de Aristóteles para o Ocidente Latino. Dessa maneira, o Ocidente teve acesso a uma teoria de demonstração (...) Seu Polycraticus combina a crítica social com o esboço de uma ética política que contém uma passagem muito conhecida na qual justifica o assassinato do tirano.” ( FLASCH, Kurt. El pensament filosófic a l’Edat Mitjana. D’Agustí a Maquiavel. Barcelona: Obrador Edèndum, 2006, p.246-247.)

João defendeu vigorosamente a necessidade de uma sólida formação nas Artes liberais para que os estudantes conseguissem tornarem-se sábios e terem sucesso no “mundo real”. (COSTA, Ricardo e SANTOS, Bento Silva. História da Filosofia Medieval. UFES, 2015.)
Tradução de João Salisbury do Policraticus
No prólogo (introdução) do livro Polycraticus (O Político) o autor defende a importância das letras na preservação do conhecimento. Através das letras João de Salisbury expõe a necessidade do filósofo de buscar a todo o momento o conhecimento. Este conhecimento segundo o autor está entrelaçado na literatura, poesia, comédia, nas escrituras sagrada, entre outros. Utilizando a literatura como exemplo e diretriz do caminho a ser seguido.

João defende a ideia de que a prática da leitura e escrita nos traz mais luz diante da escuridão e fugacidade que a rotina nos remete. Como é possível identificar nesses pequenos fragmentos do livro Polycraticus:
“Porque o espírito se redime dos vícios e se refaz, ainda que na diversidade, com doce e espantoso conforto, quando dirige a agudeza da mente à leitura e redação de coisas úteis.”;
“Noutras palavras, a terra é habitada por homens que não pensam no céu, e não sabem que no céu existe algo para eles, mas aspiram somente as coisas materiais.”;
“(...) Se esta definição não agrada pode-se adotar uma outra, e dizer que a vida do homem sobre a terra é uma tentação, isto é, como diz originalmente o termo, um contínuo medir-se com o mal.”;

O autor deixa implícito nos pequenos fragmentos do livro acima expostos orientações para aqueles que desejam uma coexistência harmônica.



3. O QUE FAZER COM O TIRANO?

Para Salisbury a tirania representava a degeneração do bom regime, ele se preocupou com o abuso do poder monárquico, para ele a distinção entre um rei e um tirano está na aplicabilidade da lei, por isso os governantes devem se preocupar com os aduladores, eis que a lisonja os torna figuras pervertidos.

Salisbury defende que o monarca deve obediência a lei, pois sua autoridade depende da autoridade do direito, para o autor o príncipe ocupa lugar por disposição divina, podendo ser eleito pelo voto popular no caso da impossibilidade da transmissão da hereditariedade, devendo sempre andar com a justiça, caso contrário ele pode ser afastado.

Salisbury entende que caso o governante se oponha aos mandamentos divinos, os súditos devem preferir a Deus, a qualquer homem na terra, assim baseado em Cícero, afirma que matar tal tirano não é somente legal é também justo.  

“Aquele que se encontra nas coisas sujas ou sórdidas, é surdo ao juízo justo de Deus e gosta mais de brilhar perante a opinião do povo do que arder no fogo da caridade e das suas obras. É por isso que a literatura profana recomenda que se deva tratar de um modo o amigo e de outro o tirano. E é por isso que não é lícito adular o amigo, mas é permitido afagar os ouvidos do tirano, já que é lícito adular a quem é lícito matar. Assim, matar o tirano não é apenas lícito, mas equitativo e justo, porque aquele que toma a espada é digno de ser morto pela espada. E por “tomar”, entende-se aquele que, por sua própria ousadia, usurpa a espada, não aquele que a empunha por ter recebido o poder de Deus.”


PENSAMENTO DA FILOSOFIA POLITICA

O PAPEL DAS LETRAS NA FORMAÇÃO DOS FILÓSOFOS

João de Salisbury e o Humanismo do Séc. XII
João de Salisbury (c. 1115-1180) é o grande nome filosófico do Renascentismo do século XII.  Sim, o século XII presenciou um renovado interesse nos clássicos greco-romanos, embebidos de um notável refinamento especulativo.  Desse inglês educado na França (faleceu bispo de Chartres).  Duas obras: Metalogicon (A Metalógica) e Policraticus ( O Político).

A Metalógica é uma contundente defesa do estudo da Lógica, da Gramática e da Retórica (ou seja, do Trivium) contra as acusações de um tal de Cornifício ( e seus seguidores).  Esse Cornifício, uma construção literária que personificava estudantes descontentes com a educação de então, que defendiam uma redução do número de disciplinas e obras que deveriam estudar!  Esses cornificianos acreditavam que a capacidade retórica e a perspicácia intelectual eram dons naturais.  Para eles, o estudo da linguagem e da lógica não ajudavam a compreender o mundo (Meta. I, 6, m25).  O que esses estudantes desejavam era parecerem sábios, não serem, e apostavam na aparência de sabedoria em carreiras lucrativas (Meta. I, 2, m13). João defendeu uma sólida formação nas Artes Liberais (Disciplinas necessárias para a formação do filósofo, Trivium: Gramática, Dialética e Retórica. Quadrivium: Aritmética, Geométria, Música e Astronomia)  para que os estudantes conseguissem realmente tornarem-se sábios. Policraticus (O Político) é o primeiro tratado de filosofia política que abarca temas relacionados à ética na vida política.

Em seu Prólogo, o autor defende a importância das letras na preservação do conhecimento. “O fruto das letras é, por muitas razões, o mais aprazível, principalmente porque, suprimido o empecilho de qualquer separação espacial e temporal, elas exibem aos amigos a presença mútua e não permitem que pereçam com o tempo as coisas dignas de lembrança.  Pois até as artes teriam perecido, os juramentos ter-se-iam esvaído e os ofícios todos de qualquer religião teriam ruído, e o próprio uso da boa expressão ter-se-ia corrompido se a misericórdia divina não tivesse providenciado para os mortais o uso das letras como remédio para a fraqueza humana.  O exemplo dos Antigos, exortação e incentivo da virtude, não erigiria nem conservaria absolutamente nada, se a solicitude piedosa dos escritores e o zelo, vencedor do descuido, o não tivessem transmitido aos pósteros.

De fato, a vida breve, o torpor da negligência, as ocupações inúteis permitem-nos conhecer muito pouco, e mesmo esse pouco é continuamente dilapidado e roubado por aquele que é o defraudador da ciência e o eterno inimigo e infiel padrasto da memória, o oblívio.  Pois quem conheceria os Alexandres e Césares, quem admiraria os estoicos e peripatéticos, se os não tivessem dignificado as obras dos escritores?  Quem imitaria o caminho, digno de abraçar, dos apóstolos e profetas, se os não tivesse consagrado para a posteridade a Sagrada Escritura? (...)”

O tratado discorre sobre muitos temas, por exemplo, o que é filosofia – tradição filosófica, quando os pensadores passaram a enfatizar que a Filosofia não é, mas ensina a pensar. Salisbury afirma que o nome Filosofia nasceu com Pitágoras (VII, 5), e que se Platão disse a verdade, isto é, que o filósofo é aquele que ama a Deus, então é a Filosofia o amor á divindade (VII, 11). 

A Filosofia tem graus: o primeiro grau do ato de filosofar consiste em avaliar os gêneros e as propriedades das coisas para ser capaz de reconhecer com prudência o que há de verdadeiro em cada uma delas; o segundo consiste em seguir fielmente a verdade que cada um descubra (mas esse caminho dos filósofos só está  claro para aquele que, abandonando o reino da vaidade, se une à liberdade com a qual se tornam livres e , servindo-se do Espírito, retiraram seus pescoços do jugo da iniquidade e da injustiça).  É precisamente o Espírito que fala com equanimidade e, sem se envergonhar da verdade na presença dos príncipes, antepõe ou iguala os pobres de espírito com os reis, ensina a saber falar e viver a verdade aos que torna concordes com Ele.  Por outro lado, quem não quer ouvir ou dizer a verdade, é alheio ao Espirito da verdade (IV, Prólogo).

O nobre fruto do espírito filosófico é uma generosa equanimidade da mente e um viver na abundância e suportar a escassez, de modo que leve tudo com alegria e desarme as vicissitudes da Fortuna.  O filósofo, não teme as coisas, pois não sofre os infortúnios da existência, até porque a vida não passa de uma aparência do real, ela é um grande teatro onde a existência tem seu grau de farsa.

“Através de seu conhecimento do mundo, os grandes escritores de comédia combatem os defeitos humanos.  O configurar-se vários dos atos introduz certa variedade na comédia.  E os atores estão a serviço do que representam, realizando-se neles o jogo da Fortuna caprichosa.  De fato, quem é que ora reveste de enorme poder a alguém novo e desconhecido, elevando-o à glória do trono, ora coloca em grades hostis um rei que se vestia de púrpura antes mesmo de nascer e, após torná-lo escravo, lança-o na miséria mais extrema?  Ou o que é – como seguidamente acontece – que mancha as espadas infames não só com o sangue dos tiranos, mas também com os sangue daqueles príncipes cujos súditos são débeis e até mesmo vis?  “Se a Fortuna quiser, tornar-se cônsul um mestre; mas se o quiser, torna mestre um cônsul”.(...)”. (Petrônio)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COSTA, Ricardo Luiz Silveira da. A estética do corpo na filosofia e na arte da Idade Média: texto e imagem. Trans/Form/Ação,  Marília ,  v. 35, n. spe, p. 161-178,   2012 .  Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732012000400011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 13 de junho de 2015.

Extratos de fontes das “Filosofias Medievais” (sécs. II-XIII)1 Seleção e notas: Prof. Dr. Ricardo da Costa - Prof. Associado I da Ufes. Site: www.ricardocosta.com
Material selecionado para exposição e análise na disciplina “História da Filosofia Medieval” (FIL-05094), ministrada para o curso de Filosofia da Ufes, no segundo semestre de 2007. Disponível em:

LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval, Lisboa, Editorial Estampa, 1994.

Texto “O Rei e o Santo: Tratado político e habiografia em João de Salisbury”. Disponível em


WEFFORT, F.C. (org.), Os Clássicos da Política 1: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”; 2:Burke, Kant, Hegel, Tocqueville, Stuart Mill, Marx. São Paulo: Editora Ática, 2000.