João de Salisbury (1115-1180) |
João de Salisbury, Filósofo inglês, nasceu em Salisbury entre 1115 e
1120 e morreu em 1180, como bispo de Chartres. Foi educado na França na Universidade de Paris, onde
estudou lógica, gramática e teologia e onde teve contato também com as maiores
personalidades do seu tempo, entre outros, Pedro Abelardo, Guilherme de Conques
e Bernardo de Claraval.
Tendo como pano de fundo o chamado Renascimento de Sec XII, cujo lema
era “aprender com o passado e com a sapiência de seus mestres e a eles acrescer
algo”, sua principal obra é Polycraticus – De
nugiscurialium et vestigiisphilo Sophorum (“Policrático, das bagatelas
dos curiais da corte e dos vestígios dos filósofos”), escrita em 1159, a obra é composta de 8 livros e especialistas são unânimes em afirmar que ela
inaugurou o gênero filosofia política na idade média e é também
considerada o primeiro tratado de Filosofia Política escrito no ocidente.
Essa obra considerada um espelho de
príncipes medieval precoce, se vale do conceito de Res Publica baseado em
Cícero, para defender uma sociedade unida por um acordo de respeito às leis e
aos direitos. Salisbury foi o primeiro medieval a considerar a imagem do rei
intelectual, e lançou a discussão filosófica sobre o tiranicídio.
Traz também como inovação na metáfora do
corpo, o príncipe ocupando o lugar da cabeça.
Outra obra de destaque é o Metalogicon (A Metalógica) aqui Salisbury defende o estudo da Lógica, da
Gramática e da Retórica, e uma sólida formação nas Artes Liberais para que os
estudantes conseguissem realmente tornarem-se sábios. Mas é no prólogo do
Polycraticus que se encontra “o maior
louvor às escrituras, à gramática e a leitura”nas palavras do Prof. Ricardo Costa.
PENSAMENTO DA FILOSOFIA POLITICA
1. ELEMENTOS BÁSICOS DE SUA FILOSOFIA POLITICA
1. ELEMENTOS BÁSICOS DE SUA FILOSOFIA POLITICA
Considerando
que João de Salisburyescreveu o Polycraticus em um contexto de centralização do poder das monarquias da
Cristandade Ocidental, é compreensível que as relações entre Estado e Igreja
ocupem lugar de destaque dentro de sua filosofia política. É buscando resolver
as querelas entre o reino e o sacerdócio, Salisbury desenvolve os elementos
básicos de sua filosofia:
1. A
metáfora do corpo, que entende a sociedade como um organismo vivo; recurso já
utilizado por outros escritores cristãos, desde Agostinho. A grande novidade do
pensamento salsburianoé que, pela primeira vez, a cabeça desta sociedade é
ocupada pelo príncipe, pelo monarca; e não pela Igreja, o que alguns estudiosos
modernos consideram como o princípio de uma teoria do poder laico. O filósofo
nos mostra, porém, queo sacerdócio é a alma deste corpo, é o que lhe confere
vida e sentido, pois “nada um corpo faz a despeito de sua alma e tudo que faz,
o faz por ela.” (MIATELLO,2010,p.166).
É
interessante notar a importância dada por Salisburyà base da sociedade: os pés,
os trabalhadores, em sua época, na maioria camponeses.De acordo com o pensamento
filosófico cristão,
Os agricultores se parecem aos pés, pois também se encontram
continuamente no solo. Para eles é especialmente necessária a atenção da cabeça, já que tropeçam em
muitas dificuldades enquanto pisam a terra com o trabalho de seu corpo, e
merecem ser protegidos com tanta ou mais justa proteção para se manterem de pé,
sustentarem e moverem todo o corpo (1984, apud COSTA, 2102).
2. Equidade e Lei Universal: o príncipe
representa a cabeça, o membro superior do corpo, por ser representante legítimo
do poder de Deus na Terra e, portanto, deve agir conforme seus ensinamentos,
que lhe são repassados pela Igreja. O principal destes ensinamentos refere-se à
equidade e ao senso de Justiça: defender uma sociedade unida por um acordo
comum em respeito a lei e aos direitos; sem, todavia, sobrepor-se a estes. A
lei de Deus para o mundo é a equidade e a ela todos devem submeter-se. Conforme
colocado pelo professor Ricardo Costa, na apostila da disciplina, “para a
proteção dos súditos, Salisbury afirma que é melhor que a Igreja exerça uma jurisdição
moral sobre todos os reis e reinos da Terra.” (p.53).
3. A construção da imagem do monarca
ideal: em seu espelho de príncipes, Salisbury defende a imagem do rei
intelectual, pois segundo ele, somente através da educação e da filosofia, o
monarca saberá respeitar o direito, escapando às armadilhas da sociedade da
corte e dos aduladores; e não render-se ao orgulho e à soberba, capazes de
subverter os fundamentos éticos e religiosos do reino, o que transformaria o
rei bondoso em sua antítese, o tirano.
2. A TRADIÇÃO CLÁSSICA NO POLYCRATICUS
João de Salisbury nasceu por volta de 1115 e veio a falecer
em 1180 na cidade de Chartres na França. “Foi
um homem das letras, um escritor elegante, um observador cético, um moralista e
um narrador agudo. Percebeu que em seu tempo uma boa educação permitia fazer
carreira e criticou os mestres que programavam seu ensino com vistas à ascensão
social. Propôs um sistema ideal de ensino. Baseou-se no sistema das sete artes, mas o complementou com o estudo
de outras matérias. Seu pensamento era mais afim a Platão que a Aristóteles.
Não obstante, lhe devemos a introdução dos Analíticos
Segundos e os Tópicos de Aristóteles
para o Ocidente Latino. Dessa maneira, o Ocidente teve acesso a uma teoria de
demonstração (...) Seu Polycraticus
combina a crítica social com o esboço de uma ética política que contém uma
passagem muito conhecida na qual justifica o assassinato do tirano.” ( FLASCH, Kurt. El pensament filosófic a l’Edat Mitjana. D’Agustí a Maquiavel. Barcelona:
Obrador Edèndum, 2006, p.246-247.)
“João defendeu vigorosamente a
necessidade de uma sólida formação nas Artes liberais para que os estudantes
conseguissem tornarem-se sábios e terem sucesso no “mundo real”. (COSTA, Ricardo e SANTOS, Bento
Silva. História da Filosofia Medieval. UFES,
2015.)
No prólogo (introdução) do livro Polycraticus (O Político) o autor defende a importância das letras
na preservação do conhecimento. Através das letras João de Salisbury expõe a
necessidade do filósofo de buscar a todo o momento o conhecimento. Este
conhecimento segundo o autor está entrelaçado na literatura, poesia, comédia,
nas escrituras sagrada, entre outros. Utilizando a literatura como exemplo e
diretriz do caminho a ser seguido.
João defende a ideia de que a prática da leitura e escrita
nos traz mais luz diante da escuridão e fugacidade que a rotina nos remete.
Como é possível identificar nesses pequenos fragmentos do livro Polycraticus:
“Porque o espírito se redime dos vícios e se refaz, ainda
que na diversidade, com doce e espantoso conforto, quando dirige a agudeza da
mente à leitura e redação de coisas úteis.”;
“Noutras palavras, a terra é habitada por homens que não
pensam no céu, e não sabem que no céu existe algo para eles, mas aspiram
somente as coisas materiais.”;
“(...) Se esta definição não agrada pode-se adotar uma
outra, e dizer que a vida do homem sobre a terra é uma tentação, isto é, como
diz originalmente o termo, um contínuo medir-se com o mal.”;
O autor deixa implícito nos pequenos fragmentos do livro
acima expostos orientações para aqueles que desejam uma coexistência harmônica.
3. O QUE FAZER COM O TIRANO?
Para
Salisbury a tirania representava a degeneração do bom regime, ele se preocupou
com o abuso do poder monárquico, para ele a distinção entre um rei e um tirano
está na aplicabilidade da lei, por isso os governantes devem se preocupar com
os aduladores, eis que a lisonja os torna figuras pervertidos.
Salisbury
defende que o monarca deve obediência a lei, pois sua autoridade depende da
autoridade do direito, para o autor o príncipe ocupa lugar por disposição
divina, podendo ser eleito pelo voto popular no caso da impossibilidade da
transmissão da hereditariedade, devendo sempre andar com a justiça, caso
contrário ele pode ser afastado.
Salisbury
entende que caso o governante se oponha aos mandamentos divinos, os súditos
devem preferir a Deus, a qualquer homem na terra, assim baseado em Cícero,
afirma que matar tal tirano não é somente legal é também justo.
“Aquele que se encontra nas
coisas sujas ou sórdidas, é surdo ao juízo justo de Deus e gosta mais de
brilhar perante a opinião do povo do que arder no fogo da caridade e das suas
obras. É por isso que a literatura profana recomenda que se deva tratar de um
modo o amigo e de outro o tirano. E é por isso que não é lícito adular o amigo,
mas é permitido afagar os ouvidos do tirano, já que é lícito adular a quem é
lícito matar. Assim, matar o tirano não é apenas lícito, mas equitativo e justo,
porque aquele que toma a espada é digno de ser morto pela espada. E por
“tomar”, entende-se aquele que, por sua própria ousadia, usurpa a espada, não
aquele que a empunha por ter recebido o poder de Deus.”
PENSAMENTO DA FILOSOFIA POLITICA
O PAPEL DAS LETRAS NA FORMAÇÃO DOS FILÓSOFOS
João de Salisbury e o Humanismo do Séc. XII
João de Salisbury (c.
1115-1180) é o grande nome filosófico do Renascentismo do século XII. Sim, o século XII presenciou um renovado
interesse nos clássicos greco-romanos, embebidos de um notável refinamento
especulativo. Desse inglês educado na
França (faleceu bispo de Chartres). Duas
obras: Metalogicon (A Metalógica) e Policraticus ( O Político).
A Metalógica é uma
contundente defesa do estudo da Lógica, da Gramática e da Retórica (ou seja, do
Trivium) contra as acusações de um tal de Cornifício ( e seus seguidores). Esse Cornifício, uma construção literária que
personificava estudantes descontentes com a educação de então, que defendiam
uma redução do número de disciplinas e obras que deveriam estudar! Esses cornificianos acreditavam que a
capacidade retórica e a perspicácia intelectual eram dons naturais. Para eles, o estudo da linguagem e da lógica
não ajudavam a compreender o mundo (Meta. I, 6, m25). O que esses estudantes desejavam era
parecerem sábios, não serem, e apostavam na aparência de sabedoria em carreiras
lucrativas (Meta. I, 2, m13). João defendeu uma sólida formação
nas Artes Liberais (Disciplinas necessárias para a formação do filósofo,
Trivium: Gramática, Dialética e Retórica. Quadrivium: Aritmética, Geométria,
Música e Astronomia) para que os estudantes conseguissem
realmente tornarem-se sábios. Policraticus (O Político)
é o primeiro tratado de filosofia política que abarca temas relacionados à
ética na vida política.
Em seu Prólogo, o autor
defende a importância das letras na preservação do conhecimento. “O fruto das letras é, por
muitas razões, o mais aprazível, principalmente porque, suprimido o empecilho
de qualquer separação espacial e temporal, elas exibem aos amigos a presença
mútua e não permitem que pereçam com o tempo as coisas dignas de
lembrança. Pois até as artes teriam
perecido, os juramentos ter-se-iam esvaído e os ofícios todos de qualquer
religião teriam ruído, e o próprio uso da boa expressão ter-se-ia corrompido se
a misericórdia divina não tivesse providenciado para os mortais o uso das
letras como remédio para a fraqueza humana.
O exemplo dos Antigos, exortação e incentivo da virtude, não erigiria
nem conservaria absolutamente nada, se a solicitude piedosa dos escritores e o
zelo, vencedor do descuido, o não tivessem transmitido aos pósteros.
De fato, a vida breve, o
torpor da negligência, as ocupações inúteis permitem-nos conhecer muito pouco,
e mesmo esse pouco é continuamente dilapidado e roubado por aquele que é o
defraudador da ciência e o eterno inimigo e infiel padrasto da memória, o
oblívio. Pois quem conheceria os
Alexandres e Césares, quem admiraria os estoicos e peripatéticos, se os não
tivessem dignificado as obras dos escritores?
Quem imitaria o caminho, digno de abraçar, dos apóstolos e profetas, se
os não tivesse consagrado para a posteridade a Sagrada Escritura? (...)”
O tratado discorre sobre
muitos temas, por exemplo, o que é filosofia – tradição filosófica, quando os
pensadores passaram a enfatizar que a Filosofia não é, mas ensina a pensar. Salisbury afirma que o
nome Filosofia nasceu com Pitágoras (VII, 5), e que se Platão disse a verdade,
isto é, que o filósofo é aquele que ama a Deus, então é a Filosofia o amor á
divindade (VII, 11).
A Filosofia tem
graus: o primeiro grau do ato de filosofar consiste em avaliar os gêneros e as
propriedades das coisas para ser capaz de reconhecer com prudência o que há de
verdadeiro em cada uma delas; o segundo consiste em seguir fielmente a verdade
que cada um descubra (mas esse caminho dos filósofos só está claro para aquele que, abandonando o reino da
vaidade, se une à liberdade com a qual se tornam livres e , servindo-se do
Espírito, retiraram seus pescoços do jugo da iniquidade e da injustiça). É precisamente o Espírito que fala com
equanimidade e, sem se envergonhar da verdade na presença dos príncipes,
antepõe ou iguala os pobres de espírito com os reis, ensina a saber falar e
viver a verdade aos que torna concordes com Ele. Por outro lado, quem não quer ouvir ou dizer
a verdade, é alheio ao Espirito da verdade (IV, Prólogo).
O nobre fruto do espírito
filosófico é uma generosa equanimidade da mente e um viver na abundância e
suportar a escassez, de modo que leve tudo com alegria e desarme as
vicissitudes da Fortuna. O filósofo, não
teme as coisas, pois não sofre os infortúnios da existência, até porque a vida
não passa de uma aparência do real, ela é um grande teatro onde a existência
tem seu grau de farsa.
“Através de seu
conhecimento do mundo, os grandes escritores de comédia combatem os defeitos
humanos. O configurar-se vários dos atos
introduz certa variedade na comédia. E
os atores estão a serviço do que representam, realizando-se neles o jogo da
Fortuna caprichosa. De fato, quem é que
ora reveste de enorme poder a alguém novo e desconhecido, elevando-o à glória
do trono, ora coloca em grades hostis um rei que se vestia de púrpura antes
mesmo de nascer e, após torná-lo escravo, lança-o na miséria mais extrema? Ou o que é – como seguidamente acontece – que
mancha as espadas infames não só com o sangue dos tiranos, mas também com os sangue
daqueles príncipes cujos súditos são débeis e até mesmo vis? “Se a Fortuna quiser, tornar-se cônsul um
mestre; mas se o quiser, torna mestre um cônsul”.(...)”. (Petrônio)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
COSTA, Ricardo
Luiz Silveira da. A estética do corpo na filosofia e na arte da Idade Média:
texto e imagem. Trans/Form/Ação, Marília ,
v. 35, n. spe, p. 161-178, 2012 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732012000400011&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 13 de junho de 2015.
Extratos de fontes das
“Filosofias Medievais” (sécs. II-XIII)1 Seleção e notas: Prof. Dr. Ricardo da
Costa - Prof. Associado I da Ufes. Site: www.ricardocosta.com
Material selecionado para
exposição e análise na disciplina “História da Filosofia Medieval” (FIL-05094),
ministrada para o curso de Filosofia da Ufes, no segundo semestre de 2007.
Disponível em:
LE GOFF,
Jacques. O Imaginário Medieval, Lisboa, Editorial Estampa, 1994.
Texto “O Rei e o Santo: Tratado político
e habiografia em João de Salisbury”. Disponível em
WEFFORT, F.C.
(org.), Os Clássicos da Política 1: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”; 2:Burke, Kant, Hegel, Tocqueville, Stuart Mill, Marx. São Paulo: Editora Ática, 2000.
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