quarta-feira, 17 de junho de 2015

JOÃO DE SALISBURY

INTRODUÇÃO  AO PENSAMENTO DE JOÃO DE SALISBURY 
João de Salisbury (1115-1180)

João de Salisbury, Filósofo inglês, nasceu em Salisbury entre 1115 e 1120 e morreu em 1180, como bispo de Chartres. Foi educado na França na Universidade de Paris, onde estudou lógica, gramática e teologia e onde teve contato também com as maiores personalidades do seu tempo, entre outros, Pedro Abelardo, Guilherme de Conques e Bernardo de Claraval.
Tendo como pano de fundo o chamado Renascimento de Sec XII, cujo lema era “aprender com o passado e com a sapiência de seus mestres e a eles acrescer algo”, sua principal obra é Polycraticus – De nugiscurialium et vestigiisphilo Sophorum (“Policrático, das bagatelas dos curiais da corte e dos vestígios dos filósofos”), escrita em 1159, a obra é composta de 8 livros e especialistas são unânimes em afirmar que ela inaugurou o gênero filosofia política na idade média e é também considerada o primeiro tratado de Filosofia Política escrito no ocidente.
Essa obra considerada um espelho de príncipes medieval precoce, se vale do conceito de Res Publica baseado em Cícero, para defender uma sociedade unida por um acordo de respeito às leis e aos direitos. Salisbury foi o primeiro medieval a considerar a imagem do rei intelectual, e lançou a discussão filosófica sobre o tiranicídio.
Traz também como inovação na metáfora do corpo, o príncipe ocupando o lugar da cabeça.
Outra obra de destaque é o Metalogicon (A Metalógica) aqui Salisbury defende o estudo da Lógica, da Gramática e da Retórica, e uma sólida formação nas Artes Liberais para que os estudantes conseguissem realmente tornarem-se sábios. Mas é no prólogo do Polycraticus  que se encontra “o maior louvor às escrituras, à gramática e a leitura”nas palavras do  Prof. Ricardo Costa.




PENSAMENTO DA FILOSOFIA POLITICA

1. ELEMENTOS BÁSICOS DE SUA FILOSOFIA POLITICA


Considerando que João de Salisburyescreveu o Polycraticus em um contexto de centralização do poder das monarquias da Cristandade Ocidental, é compreensível que as relações entre Estado e Igreja ocupem lugar de destaque dentro de sua filosofia política. É buscando resolver as querelas entre o reino e o sacerdócio, Salisbury desenvolve os elementos básicos de sua filosofia:
1.       A metáfora do corpo, que entende a sociedade como um organismo vivo; recurso já utilizado por outros escritores cristãos, desde Agostinho. A grande novidade do pensamento salsburianoé que, pela primeira vez, a cabeça desta sociedade é ocupada pelo príncipe, pelo monarca; e não pela Igreja, o que alguns estudiosos modernos consideram como o princípio de uma teoria do poder laico. O filósofo nos mostra, porém, queo sacerdócio é a alma deste corpo, é o que lhe confere vida e sentido, pois “nada um corpo faz a despeito de sua alma e tudo que faz, o faz por ela.” (MIATELLO,2010,p.166).
É interessante notar a importância dada por Salisburyà base da sociedade: os pés, os trabalhadores, em sua época, na maioria camponeses.De acordo com o pensamento filosófico cristão,

Os agricultores se parecem aos pés, pois também se encontram continuamente no solo. Para eles é especialmente necessária a atenção da cabeça, já que tropeçam em muitas dificuldades enquanto pisam a terra com o trabalho de seu corpo, e merecem ser protegidos com tanta ou mais justa proteção para se manterem de pé, sustentarem e moverem todo o corpo (1984, apud COSTA, 2102).

2.    Equidade e Lei Universal: o príncipe representa a cabeça, o membro superior do corpo, por ser representante legítimo do poder de Deus na Terra e, portanto, deve agir conforme seus ensinamentos, que lhe são repassados pela Igreja. O principal destes ensinamentos refere-se à equidade e ao senso de Justiça: defender uma sociedade unida por um acordo comum em respeito a lei e aos direitos; sem, todavia, sobrepor-se a estes. A lei de Deus para o mundo é a equidade e a ela todos devem submeter-se. Conforme colocado pelo professor Ricardo Costa, na apostila da disciplina, “para a proteção dos súditos, Salisbury afirma que é melhor que a Igreja exerça uma jurisdição moral sobre todos os reis e reinos da Terra.” (p.53).

3.    A construção da imagem do monarca ideal: em seu espelho de príncipes, Salisbury defende a imagem do rei intelectual, pois segundo ele, somente através da educação e da filosofia, o monarca saberá respeitar o direito, escapando às armadilhas da sociedade da corte e dos aduladores; e não render-se ao orgulho e à soberba, capazes de subverter os fundamentos éticos e religiosos do reino, o que transformaria o rei bondoso em sua antítese, o tirano.




2. A TRADIÇÃO CLÁSSICA NO POLYCRATICUS

João de Salisbury nasceu por volta de 1115 e veio a falecer em 1180 na cidade de Chartres na França. “Foi um homem das letras, um escritor elegante, um observador cético, um moralista e um narrador agudo. Percebeu que em seu tempo uma boa educação permitia fazer carreira e criticou os mestres que programavam seu ensino com vistas à ascensão social. Propôs um sistema ideal de ensino. Baseou-se no sistema das sete artes, mas o complementou com o estudo de outras matérias. Seu pensamento era mais afim a Platão que a Aristóteles. Não obstante, lhe devemos a introdução dos Analíticos Segundos e os Tópicos de Aristóteles para o Ocidente Latino. Dessa maneira, o Ocidente teve acesso a uma teoria de demonstração (...) Seu Polycraticus combina a crítica social com o esboço de uma ética política que contém uma passagem muito conhecida na qual justifica o assassinato do tirano.” ( FLASCH, Kurt. El pensament filosófic a l’Edat Mitjana. D’Agustí a Maquiavel. Barcelona: Obrador Edèndum, 2006, p.246-247.)

João defendeu vigorosamente a necessidade de uma sólida formação nas Artes liberais para que os estudantes conseguissem tornarem-se sábios e terem sucesso no “mundo real”. (COSTA, Ricardo e SANTOS, Bento Silva. História da Filosofia Medieval. UFES, 2015.)
Tradução de João Salisbury do Policraticus
No prólogo (introdução) do livro Polycraticus (O Político) o autor defende a importância das letras na preservação do conhecimento. Através das letras João de Salisbury expõe a necessidade do filósofo de buscar a todo o momento o conhecimento. Este conhecimento segundo o autor está entrelaçado na literatura, poesia, comédia, nas escrituras sagrada, entre outros. Utilizando a literatura como exemplo e diretriz do caminho a ser seguido.

João defende a ideia de que a prática da leitura e escrita nos traz mais luz diante da escuridão e fugacidade que a rotina nos remete. Como é possível identificar nesses pequenos fragmentos do livro Polycraticus:
“Porque o espírito se redime dos vícios e se refaz, ainda que na diversidade, com doce e espantoso conforto, quando dirige a agudeza da mente à leitura e redação de coisas úteis.”;
“Noutras palavras, a terra é habitada por homens que não pensam no céu, e não sabem que no céu existe algo para eles, mas aspiram somente as coisas materiais.”;
“(...) Se esta definição não agrada pode-se adotar uma outra, e dizer que a vida do homem sobre a terra é uma tentação, isto é, como diz originalmente o termo, um contínuo medir-se com o mal.”;

O autor deixa implícito nos pequenos fragmentos do livro acima expostos orientações para aqueles que desejam uma coexistência harmônica.



3. O QUE FAZER COM O TIRANO?

Para Salisbury a tirania representava a degeneração do bom regime, ele se preocupou com o abuso do poder monárquico, para ele a distinção entre um rei e um tirano está na aplicabilidade da lei, por isso os governantes devem se preocupar com os aduladores, eis que a lisonja os torna figuras pervertidos.

Salisbury defende que o monarca deve obediência a lei, pois sua autoridade depende da autoridade do direito, para o autor o príncipe ocupa lugar por disposição divina, podendo ser eleito pelo voto popular no caso da impossibilidade da transmissão da hereditariedade, devendo sempre andar com a justiça, caso contrário ele pode ser afastado.

Salisbury entende que caso o governante se oponha aos mandamentos divinos, os súditos devem preferir a Deus, a qualquer homem na terra, assim baseado em Cícero, afirma que matar tal tirano não é somente legal é também justo.  

“Aquele que se encontra nas coisas sujas ou sórdidas, é surdo ao juízo justo de Deus e gosta mais de brilhar perante a opinião do povo do que arder no fogo da caridade e das suas obras. É por isso que a literatura profana recomenda que se deva tratar de um modo o amigo e de outro o tirano. E é por isso que não é lícito adular o amigo, mas é permitido afagar os ouvidos do tirano, já que é lícito adular a quem é lícito matar. Assim, matar o tirano não é apenas lícito, mas equitativo e justo, porque aquele que toma a espada é digno de ser morto pela espada. E por “tomar”, entende-se aquele que, por sua própria ousadia, usurpa a espada, não aquele que a empunha por ter recebido o poder de Deus.”


PENSAMENTO DA FILOSOFIA POLITICA

O PAPEL DAS LETRAS NA FORMAÇÃO DOS FILÓSOFOS

João de Salisbury e o Humanismo do Séc. XII
João de Salisbury (c. 1115-1180) é o grande nome filosófico do Renascentismo do século XII.  Sim, o século XII presenciou um renovado interesse nos clássicos greco-romanos, embebidos de um notável refinamento especulativo.  Desse inglês educado na França (faleceu bispo de Chartres).  Duas obras: Metalogicon (A Metalógica) e Policraticus ( O Político).

A Metalógica é uma contundente defesa do estudo da Lógica, da Gramática e da Retórica (ou seja, do Trivium) contra as acusações de um tal de Cornifício ( e seus seguidores).  Esse Cornifício, uma construção literária que personificava estudantes descontentes com a educação de então, que defendiam uma redução do número de disciplinas e obras que deveriam estudar!  Esses cornificianos acreditavam que a capacidade retórica e a perspicácia intelectual eram dons naturais.  Para eles, o estudo da linguagem e da lógica não ajudavam a compreender o mundo (Meta. I, 6, m25).  O que esses estudantes desejavam era parecerem sábios, não serem, e apostavam na aparência de sabedoria em carreiras lucrativas (Meta. I, 2, m13). João defendeu uma sólida formação nas Artes Liberais (Disciplinas necessárias para a formação do filósofo, Trivium: Gramática, Dialética e Retórica. Quadrivium: Aritmética, Geométria, Música e Astronomia)  para que os estudantes conseguissem realmente tornarem-se sábios. Policraticus (O Político) é o primeiro tratado de filosofia política que abarca temas relacionados à ética na vida política.

Em seu Prólogo, o autor defende a importância das letras na preservação do conhecimento. “O fruto das letras é, por muitas razões, o mais aprazível, principalmente porque, suprimido o empecilho de qualquer separação espacial e temporal, elas exibem aos amigos a presença mútua e não permitem que pereçam com o tempo as coisas dignas de lembrança.  Pois até as artes teriam perecido, os juramentos ter-se-iam esvaído e os ofícios todos de qualquer religião teriam ruído, e o próprio uso da boa expressão ter-se-ia corrompido se a misericórdia divina não tivesse providenciado para os mortais o uso das letras como remédio para a fraqueza humana.  O exemplo dos Antigos, exortação e incentivo da virtude, não erigiria nem conservaria absolutamente nada, se a solicitude piedosa dos escritores e o zelo, vencedor do descuido, o não tivessem transmitido aos pósteros.

De fato, a vida breve, o torpor da negligência, as ocupações inúteis permitem-nos conhecer muito pouco, e mesmo esse pouco é continuamente dilapidado e roubado por aquele que é o defraudador da ciência e o eterno inimigo e infiel padrasto da memória, o oblívio.  Pois quem conheceria os Alexandres e Césares, quem admiraria os estoicos e peripatéticos, se os não tivessem dignificado as obras dos escritores?  Quem imitaria o caminho, digno de abraçar, dos apóstolos e profetas, se os não tivesse consagrado para a posteridade a Sagrada Escritura? (...)”

O tratado discorre sobre muitos temas, por exemplo, o que é filosofia – tradição filosófica, quando os pensadores passaram a enfatizar que a Filosofia não é, mas ensina a pensar. Salisbury afirma que o nome Filosofia nasceu com Pitágoras (VII, 5), e que se Platão disse a verdade, isto é, que o filósofo é aquele que ama a Deus, então é a Filosofia o amor á divindade (VII, 11). 

A Filosofia tem graus: o primeiro grau do ato de filosofar consiste em avaliar os gêneros e as propriedades das coisas para ser capaz de reconhecer com prudência o que há de verdadeiro em cada uma delas; o segundo consiste em seguir fielmente a verdade que cada um descubra (mas esse caminho dos filósofos só está  claro para aquele que, abandonando o reino da vaidade, se une à liberdade com a qual se tornam livres e , servindo-se do Espírito, retiraram seus pescoços do jugo da iniquidade e da injustiça).  É precisamente o Espírito que fala com equanimidade e, sem se envergonhar da verdade na presença dos príncipes, antepõe ou iguala os pobres de espírito com os reis, ensina a saber falar e viver a verdade aos que torna concordes com Ele.  Por outro lado, quem não quer ouvir ou dizer a verdade, é alheio ao Espirito da verdade (IV, Prólogo).

O nobre fruto do espírito filosófico é uma generosa equanimidade da mente e um viver na abundância e suportar a escassez, de modo que leve tudo com alegria e desarme as vicissitudes da Fortuna.  O filósofo, não teme as coisas, pois não sofre os infortúnios da existência, até porque a vida não passa de uma aparência do real, ela é um grande teatro onde a existência tem seu grau de farsa.

“Através de seu conhecimento do mundo, os grandes escritores de comédia combatem os defeitos humanos.  O configurar-se vários dos atos introduz certa variedade na comédia.  E os atores estão a serviço do que representam, realizando-se neles o jogo da Fortuna caprichosa.  De fato, quem é que ora reveste de enorme poder a alguém novo e desconhecido, elevando-o à glória do trono, ora coloca em grades hostis um rei que se vestia de púrpura antes mesmo de nascer e, após torná-lo escravo, lança-o na miséria mais extrema?  Ou o que é – como seguidamente acontece – que mancha as espadas infames não só com o sangue dos tiranos, mas também com os sangue daqueles príncipes cujos súditos são débeis e até mesmo vis?  “Se a Fortuna quiser, tornar-se cônsul um mestre; mas se o quiser, torna mestre um cônsul”.(...)”. (Petrônio)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COSTA, Ricardo Luiz Silveira da. A estética do corpo na filosofia e na arte da Idade Média: texto e imagem. Trans/Form/Ação,  Marília ,  v. 35, n. spe, p. 161-178,   2012 .  Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732012000400011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 13 de junho de 2015.

Extratos de fontes das “Filosofias Medievais” (sécs. II-XIII)1 Seleção e notas: Prof. Dr. Ricardo da Costa - Prof. Associado I da Ufes. Site: www.ricardocosta.com
Material selecionado para exposição e análise na disciplina “História da Filosofia Medieval” (FIL-05094), ministrada para o curso de Filosofia da Ufes, no segundo semestre de 2007. Disponível em:

LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval, Lisboa, Editorial Estampa, 1994.

Texto “O Rei e o Santo: Tratado político e habiografia em João de Salisbury”. Disponível em


WEFFORT, F.C. (org.), Os Clássicos da Política 1: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalista”; 2:Burke, Kant, Hegel, Tocqueville, Stuart Mill, Marx. São Paulo: Editora Ática, 2000.

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