segunda-feira, 11 de abril de 2016

O VOLUNTÁRIO E O INVOLUNTÁRIO, CONDIÇÃO PRÉVIA DA HARMONIZAÇÃO ENTRE A INCLINAÇÃO NATURAL E A RAZÃO PRÁTICA

1. Como nosso desejo se torna um desejo racional?
Primeiro temos que compreender o que Aristóteles quer dizer com desejo racional. Segundo ele: “Esse termo pode ter dois significados; primeiro geral, de apetite, de princípio que impele um ser vivo à ação; segundo mais restrito, de apetite sensível, nesse sentido, segundo Aristóteles o desejo é (o apetite do que é agradável).”
A compreensão que Aristóteles nos remete sobre a racionalização do desejo é a de que o desejo racional é um desejo deliberado (consideração das alternativas possíveis que certa situação oferece à escolha. O objeto de ambas é o mesmo, salvo pelo fato de que o objeto da escolha já está definido pelo processo deliberativo a que a escolha põe termo). Já o desejo em seu estado natural é irracional, sendo a ação deliberativa um meio de racionalizar o desejo.  

Aristóteles nos coloca que o desejo conduzido pela razão de um indivíduo virtuoso é aquele que compreende os meios e os fins de suas ações. O indivíduo não age pela possibilidade de ser punido, mas sim, pela clareza de que seus atos, tendo como justas, suas ações, havendo harmonia entre o meio e o fim.



2. A ação responsável e a responsabilidade indireta do caráter

A fim de compreendermos o processo de formação do ca­ráter é preciso analisar o procedimento que permite ao agente harmonizar os fins postos pelo desejo com a razão.
Aris­tóteles aponta várias vezes que os fins das ações são postos pelo desejo e a razão não parece poder de forma alguma interferir nesse momento, por isso, é preciso a harmonização entre desejo e razão. Pelos desejos o homem não é diretamente responsável. No entanto, se no surgimento do desejo a razão não tem parte, ela interfere na determinação da realização dos desejos.
A razão define o modo pelo qual o desejo será realizado. Isso influencia grandemente no desejo mesmo, visto que se a razão encontra um obstáculo que não pode ser superado ao longo do caminho, o desejo será aban­donado, ou sua realização modificada.
O desejo é influenciado pela natureza do agente e, sobretudo, pelo caráter do mesmo.
 A progressiva racionalização do desejo através da educação pelo hábito e do processo ligado à deliberação, é a forma de Aristóteles pensar a formação do caráter virtuoso no homem.
Julgamos o caráter de um homem por suas escolhas, pelo objeto em função do qual ele age, e não pelo próprio ato. Isso está ligado ao fato de que uma ação poderia ser involuntária, quando praticada por compulsão ou por ignorância, mas ninguém escolhe involuntariamente, aponta Aristóteles no livro II (Ética Eudemia).
Embora surpreendente essa declaração parece entrar em conflito com a tese de que só deliberamos sobre os meios, ao passo que os fins das ações são postos pelo desejo. Pode se afirmar que os fins se dão a mim com base em minha educação e em função de minha natureza prática, porém, as duas dependem dos atos que pratico.
Ao determinar diretamente minhas ações, eu determino também indiretamente minhas disposições, as quais determinam minha natureza prática. É a natureza prática que condiciona o surgimento dos desejos no agente. Logo, indiretamente, o homem se torna responsável da natureza de seus desejos, de seu caráter e de suas ações e realizações. 
Pela idéia de Aristóteles, mesmo que o indivíduo não tenha plena e diretamente responsabilidade sobre os fins de suas ações, pois os fins são postos pelas emoções, é suficiente que o agente delibere sobre os meios que con­duzem ao cumprimento do fim, para que ele se torne inteiramente responsável de suas ações.
A responsabilidade, entretanto, parece limitada porque ele aparentemente não tem domínio sobre seus desejos e o desejo põe diretamente o fim da ação. É relevante o fato que se nossos desejos se dão em função de nosso caráter, a formação do caráter se dá a partir de ações repetidas em certa direção.
O homem é responsável pelos seus atos. Atos que geram em nós determinadas disposições são voluntários, ou seja, o ato tem sua origem no interior do agente e o agente conhece as circunstâncias particulares em que o ato se realiza, e torna mais fortes a responsabilidade moral sobre as ações praticadas.
Há um elemento natural na com­posição do caráter humano e não é possível afirmar que ele dependa totalmente de nós, entretanto, Aristóteles afirma que “nós somos de certo modo responsáveis por nossas disposições de caráter”, em função de que o processo educativo pelo qual se dá a formação do caráter é formado de ações repetidas e por cada uma destas ações o agente é responsável.
Para dizer que nosso caráter também depende de nós, o filósofo aponta que “É no exercício de determinadas atividades que se formam as disposições de caráter.”
Se o agente conduz sua vida de uma maneira descuidada, ele se torna uma pessoa negligente.
A excelência e deficiência moral estão ao nosso alcance do mesmo jeito. Ou seja, somos responsáveis pela boa ação, e o somos pela má ação.
Tornar-se pessoa virtuosa ou vil depende do hábito que torna os indivíduos capazes de realizar de maneira estável e com espontaneidade as ações correspondentes.
Pela repetição de atos numa mesma direção, a disposição fixa o tipo de resposta que o agente dará em circunstâncias semelhantes, pois somos senhores do início de nossos hábitos, e, Aristóteles isso dizendo que “as pessoas injustas ou concupiscentes poderiam de início ter evitado estas formas de deficiência moral e, portanto, são injustas ou concupiscentes volun­tariamente. Agora, porém, que elas são assim, já não lhes é possível deixar de sê-lo.”
A decisão de viver sem descuidar das excelências do caráter e esforçar-se para conduzir boas ações depende do próprio homem.
Portanto, o hábito do caráter é considerado por Aristóteles como a segunda na­tureza do agente, sua natureza prática. E esta natureza prática, oposta da primeira, é parcialmente voluntária.


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